por um_admin | maio 1, 2017 | Ayahuasca, Home
O artigo traduzido a seguir trata de experiências com DMT, que costuma ser apontada como a substância alucinógena mais poderosa que existe. Também aborda a relação de seus efeitos com o budismo.
Foi publicado originalmente na edição nº 6 de 1996 (págs. 81 a 88) da revista americana Tricycle, que trata exclusivamente de budismo. O original pode ser lido neste link.
O autor é Rick Strassman (imagem), psiquiatra famoso pelo livro DMT: The Spirit Molecule (imagem), obra fascinante, cujos comentários vou reservar para outro texto.
DMT é uma molécula relativamente comum no cérebro e no corpo humano (além de diversos animais e plantas). Seu efeito é ativado somente em circunstâncias especiais. Não há efeito porque algumas enzimas quebram a molécula antes de ela interagir com o cérebro. O DMT é parte fundamental da ayahuasca, bebida sacramental de efeito enteógeno. Além disso, há no chá componentes inibidores da enzima que anula o DMT. Assim, eles “ativam” e prolongam o efeito do DMT, além de conterem seus próprios efeitos.
O artigo a seguir foi um dos estopins para irritar a comunidade budista que Strassman pertencia já há décadas. Essa comunidade chegou a ordenar que o pesquisador interrompesse seu trabalho e que membros não freqüentassem sua casa. Somado a outros fatores, a pesquisa acabou mesmo suspensa.
O médico defende um troca aberta entre as comunidades budista e “psicodélica”. Pessoalmente, acho impossível e inviável que qualquer comunidade budista “oficial” integre componentes químicos psicodélicos em suas práticas. Já o contrário (budismo beneficiando grupos que usam enteógenos) é tão possível que já acontece há um certo tempo no Brasil (principalmente, entre grupos huasqueiros independentes). Nos EUA, isso vem desde a era hippie (vide A Experiência Psicodélica).
Acompanhamento para sessões: Dharma & Pesquisa sobre DMT
Rick J. Strassman, M.D.
Rick Strassman, M.D,. é professor associado clínico de psiquiatria da universidade de British Columbia. Ele está trabalhando em um livro (DMT, The Spirit Molecule) descrevendo sua pesquisa sobre uma droga psicodélica.
Janeiro de 1991, 23 minutos após eu injetar uma dose elevada de DMT (N,N-dimetiltriptamina) na veia do braço de Elena. Elena é uma psicoterapeuta de 42 anos, com experiência pessoal extensiva com drogas psicodélicas. O DMT é um psicodélico poderoso, de curta duração, que existe naturalmente nos fluídos do corpo humano. Também é encontrado em muitas plantas. Ela já leu textos budistas, mas pratica meditação taoísta.
Ela repousa em uma cama no quinto andar do Centro de Pesquisa Clínica do hospital da Universidade do Novo México. O tubo de plástico claro que dá acesso a sua veia está pendurado na cama. O prendedor de um aparelho de medir pressão está preso com alguma folga em seu braço. Os tubos estão ligados a traseira de um monitor que pisca.
30 segundos após a injeção, ela perde consciência da sala onde estamos. Além de mim, o marido de Elena, que acabou de passar por uma sessão parecida, e nossa enfermeira de pesquisa estão sentados quietos ao seu lado. Conheço por relatos de voluntários anteriores que os efeitos de pico de DMT intravenal ocorrem entre dois e três minutos após a injeção e que ela não conseguirá se comunicar por pelo menos 15 minutos, quando a maioria dos efeitos terão se dissolvido. Com os olhos fechados, ela começa a soltar gargalhadas, às vezes de maneira gritante, e seu rosto fica vermelho. “Bem, encontrei um buda vivo! Oh, Deus! Estou permanecendo aqui. Não quero perder isso. Quero manter meus olhos fechados para que isso se imprima [na minha mente]. Apenas porque é possível!”
Elena se sentiu ótima na semana seguinte. “A vida está bem diferente. Um buda agora está sempre na esquina da minha consciência”, diz Elena. “Tudo em que tenho trabalhado espiritualmente nos últimos anos virou uma certeza. Ganchos de esquerda do mundo cotidiano continuam a vir e me acertar. Mas a solidez da experiência me ancora, permite que eu lide com tudo isso. O tempo parou no pico da experiência; agora o tempo do dia-a-dia diminui a marcha. O terceiro estágio, aquele de voltar do pico foi o mais importante. Se tivesse aberto meus olhos muito cedo, não teria podido me integrar tanto à experiência”.
Dois anos depois, ela raramente consome psicodélicos. Sua mais importante lembrança da sessão de DMT foi a “claridez e pureza desse remédio”. A mais negativa: “A absoluta falta de caráter sagrado no contexto”. Muitas das mudanças em sua vida, particularmente uma profunda mudança de “pensar” para “sentir”, foi “apoiada” pela sessão de DMT. Mas já estava a caminho antes disso e continuou depois.
A experiência de Elena, repetida por 10% a 20% dos voluntários em nossos testes, representam os resultados mais gratificantes e intrigantes de nosso trabalho no Novo México. Meu próprio interesse no budismo e nos psicodélicos se encontraram da melhor maneira na “experiência de iluminação” induzida por DMT.
O nosso foi o primeiro projeto em 20 anos a obter financiamento do governo dos EUA para um estudo com drogas psicodélicas em humanos. Essa pesquisa científica foi o resultado de 18 anos de treinamento e experiência médica e psiquiátrica. Também tenho praticado o Zen budismo por mais de 20 anos. E foi na molécula de DMT que esses dois interesses finalmente se fundiram.
Há motivos importantes para se estudar drogas psicodélicas em humanos. O uso de LSD (”ácido”) e “cogumelos mágicos” (que contém psilocibina) continuam a se elevar. Entender o que (e como) os psicodélicos fazem com as funções cerebrais vai ajudar a tratar reações negativas de curta ou longa duração. Devido ao fato que há alguma similaridade entre efeitos de drogas psicodélicas e a esquizofrenia, a pesquisa pode também podem jogar nova luz sobre essa devastadora doença mental.
Há outras razões para se estudar drogas psicodélicas. Embora menos “médicas”, elas se relacionam com saúde e bem-estar. A principal entre elas é a semelhança entre estados psicodélicos e religiosos. Fiquei impressionado com as descrições “psicodélicas” de práticas de meditação intensiva em algumas tradições budistas. Devido ao fato que essas escrituras não mencionam drogas e que os estados parecem similares aos obtidos com uso de drogas psicodélicas, suspeitei que pode haver um molécula psicodélica natural no cérebro, ativada por meditação profunda.
Fui levado à glândula pineal como uma possível fonte de componentes psicodélicos produzidos sob certos estados mentais e físicos anormais. Essas condições incluiriam limiar da morte, nascimento, febre elevada, meditação prolongada, jejum e privação sensorial. Esse minúsculo órgão — o “assento da alma” ou “terceiro olho” para os antigos — deve produzir DMT ou substâncias similares com simples alterações químicas em um bem conhecido hormônio pineal, a melatonina, ou em um importante componente químico cerebral, a serotonina. Talvez seja o DMT, liberado pela pineal, que abre o olho da mente para realidades espirituais ou não-físicas.
A glândula pineal também exercia uma fascinação em mim porque ela se torna visível pela primeira vez no feto humano 49 dias depois da concepção [geração do embrião]. Essa também é a ocasião quando o sexo do feto se torna claramente distinguível. 49 dias, segundo diversos textos budistas, é quanto tempo leva para a força vital de alguém que morreu entrar na próxima encarnação. Talvez a força vital de um humano entre no feto após 49 dias através da pineal. E ela deve deixar o corpo, na morte, pela pineal. Essa ida e vinda deve ser acompanhada pela liberação de DMT pela pineal, mediando a consciência desses fenômenos incríveis.
Junto com o quebra-cabeça científico apresentado por essas similaridades entre estados místicos e psicodélicos, havia questões de cura que também me atraíram para ambos. O sentimento de que há “algo maior” que resulta de grandes episódios psicodélicos me levou a pensar que psicodélicos podem ajudar pessoas com problemas psicológicos, físicos e espirituais. Me pareceu crucial evitar a limitação que, com freqüência, estraga argumentos sobre a utilidade ou perigo das drogas, mantendo um ponto de vista mais amplo. Meu ponto de vista global que começou a emergir era como um tripé de pernas biológicas (cérebro), psicanalíticas (psicologia individual) e de religiosidade oriental (consciência e espiritualidade). As primeiras duas foram importantes em minha decisão de cursar medicina. A terceira me levou profundamente ao budismo.
Desapontado pela falta de espiritualidade do treinamento médico, me ausentei por anos da faculdade e explorei o Zen em uma série de retiros. A ênfase do Zen na experiência direta, seu método equilibrado para lidar com todos os fenômenos que surgem na meditação, e a importância da iluminação, todos combinavam comigo e com meu ideal de tradição religiosa.
Durante os quatro anos de minha especialização psiquiátrica, ajudei a fundar e manter um grupo de meditação afiliado com minha duradoura comunidade Zen. Fui ordenado budista leigo no meio dos anos 80. Foi no mesmo ano que recebi treinamento em psicofarmacologia clínica, aprendendo a ministrar drogas psicoativas em voluntários humanos em estudos científicos controlados.
A forma de nossa pesquisa no Novo México foi a biomédica tradicional, monitorando efeitos de diversas doses de DMT na pressão sanguínea, temperatura, tamanho da pupila e níveis no sangue de diversos componentes químicos que indicam atividade cerebral. Recrutamos usuários experientes com alucinógenos que eram adequados médica e psicologicamente. Isso porque eles poderiam reportar melhor sobre suas experiências e teriam menos probabilidade de entrar em pânico ou sofrer efeitos colaterais duradouros, em relação a usuários inexperientes. Os voluntários acreditavam na habilidade de psicodélicos ajudarem no “trabalho interior” e se ofereceram, pelo menos em parte, para usar o DMT em seu crescimento pessoal.
Havia um aspecto espiritual na experiência com DMT? E, se sim, isso seria útil por ele mesmo? Essa era uma das minhas razões principais para nosso programa de pesquisa com DMT.
A supervisão de sessões é chamada de “sitting”. Acredita-se que o termo vem da necessidade de uma “baby-sitter” para pessoas em estados, por vezes, altamente dependentes e vulneráveis. Mas, em nossas mentes, a prática budista foi uma fonte tão relevante quanto, para o termo. Nossa enfermeira e eu fizemos o máximo para praticar meditação na companhia dos voluntários: conscientes da respiração, em estado alerta, olhos abertos, prontos para agir, mantendo uma atitude “brilhante” e saindo do caminho das experiências dos voluntários.
Esse método é muito similar ao que Freud chamou de “atenção suspensa uniforme”, executada por um psicanalista treinado que fornece suporte através de uma postura, na maior parte, silenciosa mas presente. Experimentei esse tipo de “escuta” e contemplação como algo similar à meditação Zen.
Outro exemplo de como os psicodélicos e a meditação budista convergem foi o desenvolvimento de um novo questionário para medir estados de consciência. Os questionários anteriores para medir efeitos psicodélicos não eram ideais por muitos motivos. Alguns assumiam que psicodélicos causam nada mais que psicose, enfatizando experiências desagradáveis. Outras escalas foram desenvolvidas para voluntários que não sabiam quais drogas estavam consumindo ou quais efeitos surgiriam.
Sempre apreciei a visão budista de dividir a mente em cinco skandas (pilhas ou agregados) que, no todo, dão a impressão de um ego pessoal que experimenta. Esses são os familiares conceitos de “forma”, “sentimento”, “percepção”, “consciência” e “volição”. Pesquisei em diversos guias para a literatura do Abhidharma, o “cânone psicológico” budista, com mais de mil anos de uso no monitoramento do progresso da meditação. Pareceu que uma escala de avaliação baseada nos skandas poderia dar uma base excelente para uma descrição neutra e compreensiva de estados psicodélicos.
Divulguei que estava interessado em falar com pessoas que já experimentaram DMT. Logo, o telefone estava tocando com pessoas querendo descrever suas experiências. A maioria das 19 pessoas eram do Novo México e da Costa Leste, e quase todos estavam envolvidos em alguma disciplina terapêutica ou religiosa. Todos tinham boa educação, articulação e estavam impressionados com a habilidade do DMT de abrir a porta para estados altamente incomuns e não-materiais, maior do que psicodélicos de longa duração como psilocibina ou LSD.
Após completar essas entrevistas, decidi adicionar um sexto skanda ao questionário, chamado “intensidade”, que ajudou a quantificar a natureza da experiência.
Demos e analisamos esse novo questionário, chamado de Escala de Avaliação Alucinógena (Hallucinogenic Rating Scale – HRS), quase 400 vezes para mais de 50 pessoas em quatro anos. É interessante notar que o grupo de questões do método skanda trouxeram resultados mais sensíveis no trabalho com DMT do que um grande número de dados biológicos, como pressão sanguínea, temperatura e níveis químicos no sangue.
Além de determinar esse estilo de “acompanhamento” (sitting) e de medir reações, o budismo ajudou a tirar sentido das experiências que as pessoas tiveram em nosso ambiente relativamente esparso mas pronto para qualquer coisa que pudesse acontecer. Para muitos voluntários, mesmo aqueles com uso anterior de DMT, a primeira dose elevada de DMT intravenal foi como uma experiência de quase morte, que costuma ser fortemente relacionada com experiências místicas benéficas. Muitos se convenceram que estavam mortos ou morrendo. Muitos tiveram encontros com deidades, espíritos, anjos, criaturas inimagináveis e a fonte de toda a existência. Praticamente todos perderam contato com seus corpos em algum ponto. O caso de Elena é um bom exemplo de uma experiência de iluminação — soando idêntico aos relatos da tradição de meditação budista — proporcionada por uma dose alta de DMT.
Por um lado, a perspectiva budista pode tratar todas essas experiências com equanimidade. O fato de que, no budismo, se experimenta mesmo reinos não-materiais fornece uma base firme para aceitar e trabalhar com essas experiências. Ele também elimina o julgamento de que reinos não materiais são melhores (ou piores) que os materiais — uma tendência de algumas religiões New Age. A experiência de ver e falar com criaturas do tipo deva no transe de DMT é apenas isso: ver e falar com outros seres. Nem melhor, nem pior e nem mais ou menos confiável, do que qualquer um ou qualquer outra coisa.
Por outro lado, como tratar o voluntário que teve uma iluminação induzida por drogas? Certificá-lo(a) como iluminado? Explicar através da farmacologia o impacto meteórico da experiência?
Foi confuso. Primeiro, pareceu que uma dose alta de DMT era, de fato, transformadora. Com o passar do tempo, contudo, checando nossos voluntários por meses e anos, minha perspectiva de fato mudou. Enquanto alguns, como Elena, tiveram benefícios profundos de sua participação, um pequeno número de voluntários tiveram reações negativas e assustadoras, que exigiram algum cuidado depois.
Em outros, efeitos adversos mais sutis também se revelaram (como pode acontecer na prática budista) na forma de orgulho elevado — ou seja, uma divisão do mundo entre os que tem e os que não tem “entendimento”. Além disso, a “resolução” de problemas durante o estado alterado — particularmente comum com uma dose psicodélica alta — cuja solução não era colocada em prática, me pareceu pior do que nem tentar trabalhar determinada questão.
Conclui que não há nada inerente em psicodélicos que possua um efeito benéfico. Também não são farmacologicamente perigosos por eles mesmos. A natureza e os resultados da experiência são determinados por uma complexa combinação da farmacologia da droga, o estado do voluntário no momento do consumo e a relação entre o indivíduo e o ambiente físico e psicológico: droga, condição e ambiente.
Os voluntários que se beneficiaram mais das sessões de DMT foram os que provavelmente se beneficiariam mais de qualquer “viagem” — com ou sem drogas. Os que se beneficiaram menos foram aqueles que mais se sentiam invadidos pelo desconhecido, pelo unusual. As sessões mais difíceis aconteceram pela combinação de dois fatores. O primeiro foi a indisposição do voluntário para desistir do diálogo interno e consciência do corpo. A segunda, a incerteza ou relações confusas entre os voluntários e as pessoas presentes na sala. Assim, os efeitos “religiosos”, “adversos” ou “banais” dependeram mais da pessoa ou do que ela ou aqueles na sala trouxeram para a sessão, do que qualquer característica inerente da droga.
Assim, o problema de depender de uma ou diversas experiências psicodélicas transformadoras como prática é que não há uma estrutura que lide adequadamente com a vida cotidiana no intervalo entre as sessões. A introdução no ocidente de igrejas baseadas em plantas alucinógenas amazônicas, com seu conjunto de códigos morais e rituais, podem fornecer um novo modelo combinando práticas religiosas e psicodélicas.
No último ano de meu trabalho, um novo componente comum pessoal entre budismo e psicodélicos apareceu. Isso envolveu o que pode ser descrito como uma briga entre minha comunidade Zen e eu. Por anos, recebi apoio — pelo menos, implícito — de diversos membros da comunidade Zen para seguir com minha pesquisas. Estes eram praticantes antigos com suas próprias experiências psicodélicas anteriores. No ano passado, descrevi meu trabalho para membros da comunidade, ingênuos em relação a psicodélicos, que o condenaram fortemente. Praticantes antes a favor pareceram estar sendo pressionados para retirar qualquer apoio.
Essa preocupação estava especificamente direcionada a dois aspectos de nossa pesquisa. Um deles era uma futura psicoterapia com psicodélicos para doentes terminais, pesquisa que demonstrou potencial impressionante nos anos 60. Ou seja, em pacientes com dificuldades no processo de morte, uma sessão com uma alta dose psicodélica poderia atenuar o sofrimento e desespero associado com sua doença terminal.
A outra área de preocupação era o potencial para efeitos adversos, tanto os óbvios quanto os mais sutis, já previamente descritos.
Foram dados argumentos empíricos e com base nas escrituras para essa reprovação, além das experiências dos próprios membros da comunidade. Contudo, me pareceu que a principal preocupação era que seria muito desfavorável para eles, como uma comunidade budista, ter associado de alguma maneira o budismo com o uso de drogas. Pareceu que os praticantes que tiveram experiências psicodélicas (e descobriram que elas estimularam seu interesse pela vida meditativa) tiveram que dar o aval àqueles que nunca tiveram.
O que experimentei como um atrito entre disciplinas não é incomum no mundo e, talvez, na comunidade budista em particular. A questão se resume a: é considerado “budista” dar, consumir ou se ocupar com psicodélicos como ferramentas espirituais?
Vários projetos de pesquisa estão sendo planejados nos EUA, usando psicodélicos para tratar o vício em drogas — condição de alto índice de mortalidade, caso não seja tratada. Entendo os preceitos budistas que toleram o uso de “intoxicantes” por motivos médicos (por exemplo, cocaína para anestesia local, narcóticos para controle da dor). É importante notar se um budista sofre ou não tratamento igual por dar ou consumir um “intoxicante” psicodélico para o tratamento de uma condição médica. O complicador nesse caso é que efeitos psicológicos/espirituais de uma sessão adequadamente preparada e supervisionada podem revelar efeitos de cura.
Em uma área comum final, acredito que há modos em que o budismo e a comunidade psicodélica podem se beneficiar de uma aberta e franca troca de idéias, práticas e éticas. Para a comunidade psicodélica, a ética, o estruturamento disciplinado da vida, a experiência e as relações fornecidas por anos de comunhão budista têm muito a oferecer. Essa bem desenvolvida tradição poderia injetar significado e consistência em experiências psicodélicas isoladas, fragmentadas, pobremente integradas, sem o amor e compaixão necessários e praticados diariamente. Sem isso, essas experiências acabariam “fritas” num excesso de narcisismo e auto-indulgência.
Embora boas experiências sejam possíveis sem uma tradição de meditação budista, elas são menos prováveis sem a checagem e o balanceamento de uma comunidade dinâmica de praticantes.
Além disso, praticantes budistas dedicados com pouco sucesso em suas meditações, mas bem desenvolvidos em aspectos morais e intelectuais, poderiam se beneficiar de uma sessão psicodélica cuidadosamente agendada, preparada e supervisionada, para acelerar sua prática. Psicodélicos fornecem uma visão que — para alguém inclinado — pode inspirar o trabalho duro necessário para fazer dessa visão uma realidade viva.
por um_admin | maio 1, 2017 | Ayahuasca
por: Ricardo Kelmer
Crônica sobre o livro “The White Hole in Time” (Peter Russel), que tem um filme de mesmo nome que mostra as raízes da crise humana… na verdade uma crise de consciência. Texto muito bom, que ganha aqui mais um canal pra que a informação chegue a mais pessoas.
A cada dia mais e mais pesquisadores ligados ao estudo da consciência, antropologia, psicologia e botânica se debruçam sobre uma possibilidade no mínimo intrigante e polêmica. É provável que as plantas psicoativas (que induzem a mente a funcionar em estados especiais) possam ter contribuído significativamente para o surgimento da autoconsciência, fator decisivo que proporcionou aos nossos ancestrais, num determinado ponto da evolução, as condições para sobreviver e gerar a incrível espécie a qual pertencemos: o Homo sapiens.
Admitir tal hipótese é mexer num vespeiro. Muita gente se indagará: “Quer dizer que nós humanos só existimos porque um bando de macacos comeram umas plantinhas e ficaram doidões?” Imagino os mais religiosos: “Era só o que faltava! Deixa só Deus escutar isso!” Pois infelizmente para muita gente, e até para alguns deuses, essa hipótese vem sendo estudada com seriedade e encontra ressonância positiva no meio científico.
Quem já passou por uma experiência com as tais “plantas sagradas”, como a Ayahuasca, o Peiote e a Jurema, sabe perfeitamente do imenso poder que elas guardam. E sabe também que elas não se prestam a um consumo recreativo, exatamente porque costumam tocar muito fundo em nosso interior, abalando nossa compreensão da realidade e de nós mesmos e nos fazendo emergir da experiência profundamente transformados. Xamãs e pajés do mundo inteiro as utilizam há milhares de anos em contextos religiosos e terapêuticos. Atualmente médicos e pesquisadores de vários países estão unindo medicina acadêmica com antiquíssimas práticas xamânicas que envolvem o uso de plantas psicoativas e, com essa curiosa união, vêm obtendo resultados animadores na cura de muitas doenças como a dependência química.
Atualmente no Brasil proliferam-se seitas e dissidências de seitas que em seus rituais utilizam chás à base dessas plantas, chamando a atenção de estudiosos para o emergente fenômeno. Toma-se o chá para entrar num estado de consciência não ordinário, onde é possível viver experiências sensoriais e cognitivas as mais diversas. Há quem encontre pessoas vivas ou mortas, santos, entidades animais ou espíritos de plantas. Há os que experimentam capacidades psíquicas incomuns ou vivenciam uma intensa sensação de união com a Natureza e tudo que existe. Há quem passe por profundas experiências de auto-investigação psicológica como também de autocura ou seja tocado por revelações importantes que podem mudar toda uma vida. Pode não acontecer nada mas também pode ser prazeroso ou doloroso. Pode ser infernal ou divino mas será sempre construtivo. Depende de cada um e de seu momento. Os religiosos radicais, sempre obcecados, diriam que é coisa do demônio. Alguns psicólogos talvez usassem o termo “terapia de choque”. Talvez nada mais seja que um providencial reencontro consigo mesmo e com sua verdade mais íntima.
Por que a crescente procura atual pelas plantas de poder dos xamãs? Por qual razão tantas pessoas ousam se submeter a uma experiência incerta, largando a segurança de sua mente cotidiana e desafiando o desconhecido de si mesmo? Minha impressão é que isso tudo talvez signifique, em última instância, uma forma de religação à Natureza. Religação sim, porque, na verdade, nós também fazemos parte da Natureza. O que houve é que, infelizmente, passamos a nos ver separados dela e com isso nos distanciamos demais da sabedoria natural do planeta e agora, perdidos num mundo cada vez mais caótico e insano, buscamos com avidez crenças e experiências que nos reconectem ao sentido maior da vida e às nossas verdades mais profundas. Entendo isso como um anseio natural e legítimo de uma espécie adoecida: o anseio de cura, liberdade, totalidade e harmonia com a Mãe Terra.
O que liberta também escraviza.
Por minha própria experiência, sei que plantas psicoativas podem ser bastante úteis porque nos fazem olhar para dentro, nos reconectam às leis naturais e ao sagrado de nossas vidas, nos lembram de nosso potencial para a autocura e ajudam a nos libertarmos de medos, culpas e bloqueios. Não há como não se transformar após um profundo encontro consigo mesmo. É por isso que quem passa por tais experiências xamânicas engrossa a legião dos que entendem o mais importante: somente a profunda mudança interior de cada um é que fará finalmente com que o mundo mude para melhor.
Este talvez seja o convite que as plantas sagradas fazem neste momento à nossa espécie: quanto mais pessoas se religarem à sua verdade mais íntima, mais próxima a humanidade estará de seu ponto de equilíbrio. Por outro lado, sei também que a espécie humana está doente e que, na busca angustiada pela cura, é capaz de exagerar no remédio. Por isso, nessa urgente busca por valores espirituais, é preciso, acima de tudo, priorizar a liberdade e atentar para o risco sempre presente de cairmos escravos exatamente daquilo que um dia elegemos como libertador. As plantas sagradas não ficam de fora desse perigo. Tenho amigos que fazem parte de seitas que utilizam tais plantas e certamente discordarão. Respeito o que eles pensam e admiro sua busca pessoal. Porém, como tudo o mais que existe, as plantas sagradas também possuem dois lados. Se um lado liberta, o outro está lá prontinho para escravizar caso você não se mantenha atento, equilibrado e sem apegos excessivos.
Religiões, seitas e gurus funcionam muito bem para os que necessitam de regras ou se sentem mais seguros pertencendo a um certo grupo. Eles estão em seu caminho e isso deve ser respeitado. Mas há pessoas que conseguem beber em todos os ensinamentos e usufruir do melhor que eles lhes oferecem sem ter de se enquadrar em nenhum específico. É um caminho mais solitário, evidente, e exige um contínuo “estar aberto” – mas que exatamente por isso recompensa quem o trilha com a liberdade que nenhum outro caminho pode oferecer. As regras da seita ou as palavras do guru podem até iluminar durante um tempo, sim, mas até mesmo essa luz pode cegar para os horizontes seguintes da jornada. O principal ensinamento das plantas de poder (assim como deveria ser o de todo guru) é este: devemos abandonar todas as muletas e aprender a caminhar por nós mesmos.
O atual processo coletivo de reconectar-se aos valores da Natureza através das plantas psicoativas não significa uma espécie de retrocesso evolutivo e que devemos voltar a saltar pelas árvores. Nada disso. Uma vez ultrapassados, os marcos da evolução da consciência sempre nos impulsionam para o novo, jamais para trás. Acontece que a verdadeira evolução avança em forma de espiral e é por isso que quando o caminho parece retornar a um determinado ponto, na verdade ele está sim passando novamente por lá – porém num novo nível, mais acima, numa nova dimensão.
Talvez essas poderosas plantas, que acompanham nossa espécie desde seu nascimento numa impressionante relação simbiótica, estejam agora nos oferecendo a preciosa oportunidade de mais um salto quântico da consciência, uma intensa transformação da mente e de sua interpretação da realidade – como fizeram nossos peludos antepassados em algum ponto de sua jornada. Agora, porém, diferente deles, possuímos razão e discernimento. Possuímos milênios e milênios de experiência sedimentados no inconsciente comum da espécie e temos nossos próprios erros para nos guiar.
Retornaremos à Mãe Terra e ao sagrado, sim, porque não há outro caminho se quisermos de fato sobreviver como espécie. Mas o faremos num novo nível porque agora estamos mais capacitados para enfrentar o grande mistério da vida, esse mistério que nos maravilha e assombra cada vez que olhamos para o sem-fim do mundo lá fora ou para o infinito interior de nós mesmos.
Ricardo Kelmer é escritor, letrista e roteirista e mora em São Paulo.
* artigo transcrito do site:
http://www.e-zen.com.br/oktiva.net/1279/nota/134443
por um_admin | abr 30, 2017 | Ayahuasca
Deputado Moisés Diniz escreve sobre uso milenar do chá em ritos religiosos em vários países da América do Sul. E revela detalhes de um tradição que, pode ser reconhecida, em breve, patrimônio imaterial da Cultura brasileira. Leia.
(Publicado inicialmente no site da Deputada Perpétua Almeida no dia 06 de Agosto de 2008)
Ayahuasca é um termo de origem quéchua, que significa “vinho das almas” ou “cipó dos mortos”, designa o chá feito pelo cozimento de duas plantas originárias da floresta amazônica: o cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis Caapi) e as folhas da rainha ou chacrona (Psychotria Viridis).
Aya quer dizer “pessoa morta, alma, espírito” e waska significa “corda, cipó ou vinho”. Assim a tradução, para o português, seria algo como “corda dos mortos” ou “vinho dos mortos”.
A ayahuasca serviu como base para o estabelecimento de diferentes tradições espirituais por comunidades indígenas nos países amazônicos desde tempos imemoriais. Os povos indígenas utilizaram a ayahuasca como um elo imaterial com o divino que estava entre as árvores, os lagos silenciosos, os igarapés. É que, para eles, a natureza possuía alma e vontade própria.
Povos indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, há quatro mil anos, utilizam a ayahuasca em seus rituais sagrados, como o padre usa o vinho sacramental na Eucaristia e os indígenas bebem o peyote nas cerimônias sincréticas da Igreja Nativa Americana.
O uso ritualístico da ayahuasca é bem mais antigo que o consumo do saquê ou Ki, bebida sagrada do Xintoísmo, usada a partir de 300 a.C, feito do arroz e fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos.
A mesma prática é realizada pelas índias da Amazônia, quando produzem a caiçuma da mandioca, bebida ritualística indígena fundamental na dança do mariri e no ´contato´ com os deuses da floresta assombrosa.
As origens do uso da ayahuasca nos países amazônicos remontam à Pré-história. Há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que nos levam a afirmar que o uso da ayahuasca ocorra desde 2.000 a.C.
Somente os ´intelectuais de água salgada´, que lêem um tomo filosófico à tarde, bebem ´whisky´ à noite e pegam sol pela manhã, para levantar argumentações contra o uso espiritual da ayahuasca. Não conhecem a força e a beleza da espiritualidade amazônica e indígena.
A utilização da ayahuasca pelo homem branco é uma acolhida da espiritualidade das florestas tropicais, um banho de rio milenar e sentimental do tempo em que os povos amazônicos viviam em fraternidade econômica e religiosa.
Os ataques ao uso ritualístico-religioso da ayahuasca, como bebida sacramental, nos autoriza a afirmar que podem estar nascendo interesses menos inocentes e mais poderosos do que uma simples preocupação acadêmica com a utilização de substâncias psicoativas.
Nunca é bom esquecer que a ayahuasca é uma substância natural exclusiva das florestas tropicais dos países amazônicos e pode alimentar interesses econômicos relacionados a patentes e elevar a cobiça sobre a nossa inestimável biodiversidade.
A ayahuasca é uma combinação química simples e ao mesmo tempo complexa, que envolve um cipó e um arbusto endêmicos do imenso continente amazônico. Simples porque a sua primitiva química material da floresta é realizada por homens comuns, do pajé ao ayahuasqueiro dos templos amazônicos.
Complexa porque envolve a elevação de indicadores psico-sociais de qualidade de vida e ajuda a atingir estados ampliados de consciência dos usuários. Isso por si só já alça a ayahuasca a um patamar superior no plano do controle científico dessas duas ervas milenares.
Assim, a ayahuasca ganha contornos políticos por envolver recursos florísticos de inestimável valor psico-social e espiritual. Os seus usuários consideram o “vinho das almas” como um instrumento físico-espiritual que favorece a limpeza interior, a introspecção, o autoconhecimento e a meditação.
Utilizar ayahuasca aqui na Amazônia é beber do próprio poço de nossa ancestralidade e da magia que representa a nossa milenar resistência. Aqui na floresta, protegidos pelos entes fortes de nossa religião animista e natural, nossos ancestrais não precisaram “miscigenar” sua fé.
Não foi necessário fazer como os negros escravos que deram nomes de santos católicos aos seus deuses africanos. Nossos ancestrais indígenas não precisaram batizar Iemanjá de Nossa Senhora ou Oxossi de São Sebastião para se protegerem da fé unilateral do dono da terra.
É que entre nós a terra era de todos e o único dono era o senhor da chuva, do orvalho e do sol. A beleza coletiva dos recursos naturais era compartilhada por toda a aldeia, do curumim ao sábio ancião.
A ayahuasca era a essência espiritual dessa convivência material fraterna e universal entre as árvores carinhosas, os riachos irmãos, os pássaros cantores, os peixes, as larvas, os insetos, as flores. A Ayahuasca ancestral era o elo entre a terra e o espírito.
Se não fosse uma erva espiritual e mágica, trazida pelas mãos milenares dos povos indígenas amazônicos, ela não teria resistido ao tempo. Por isso é natural que a ayahuasca atraia cada vez mais o homem branco, esmagado pelo destrutivo modo de vida urbano, elitista, ocidental, capitalista.
A ayahuasca não é um chá que se consome como se bebe um líquido ácido qualquer. O seu uso é espiritual e envolve aqueles que o utilizam na mais límpida tradição de amar o próximo e reencontrar os valores que perdemos na caminhada do planeta que se dividiu em castas, cores, fronteiras e etnias.
Não entrarei no debate acadêmico sobre o uso de substâncias psicoativas por parte das religiões milenares, das eras pré-colombianas aos templos dos tempos atuais. Não tenho competência para debater os pontos de vista da medicina, da psicologia ou da etnofarmacologia. Ficarei apenas com os resultados do uso milenar da ayahuasca pelos povos indígenas.
A milenar história amazônica não registra casos de morte ou de seqüelas à saúde dos povos indígena por terem utilizado a ayahuasca. Nenhum índio deu entrada no hospital dos brancos ou foi curado pelos pajés. Aliás, as mulheres indígenas, ´apesar´ de beberem a ayahuasca, não registram nenhum caso de câncer de mama.
A ayahuasca não é “taliban”, seus usuários não se constituem em nenhuma seita, eles não são fanáticos, não há um único caso de morte ou de castigo físico que tenha sido resultado do seu consumo ritualístico.
O uso ritualístico da ayahuasca não provoca transes místicos ou de possessão. Ela não age no organismo como a antiga bebida hindu, denominada soma, que se divinizou por afastar o sofrimento, embriagando e elevando as forças vitais.
Depois de 4.000 anos de uso sagrado e ritualístico da ayahuasca os estudiosos da civilização ocidental erguem argumentos anêmicos e endêmicos de uma sociedade que tem medo do ´contato´ aberto do homem com a natureza. É que eles têm medo da relação amorosa entre o indivíduo e a natureza com os seus elementos poderosos e coletivos.
Os sábios e avançados incas utilizaram a ayahuasca para consolidar-se como povo, como nação e para ajudar no florescimento da cultura, da matemática, da agricultura e da astronomia. Não é qualquer planta ou cipó que faz um povo, uma história milenar, uma religião.
Só não puderam utilizar a sagrada ayahuasca para produzir metálicos fuzis, pois se assim fosse, não teriam sido dizimados pelos invasores espanhóis. Pizarro não consumiu o “cipó dos mortos”, por isso dizimou tantos guerreiros, mulheres índias, donzelas, pajés, curumins.
A ayahuasca resistiu, venceu os invasores e as suas crenças unilaterais, atravessou os séculos, os milênios, unificou as milenares gerações indígenas e suavizou a dor ´civilizatória´ das eras pós-colombianas.
Quando o Acre propôs, sob a iniciativa da deputada Perpétua Almeida, que o uso ritualístico da ayahuasca fosse considerado patrimônio cultural imaterial é porque ninguém mata uma alma, ninguém prende um sentimento, ninguém aniquila uma vontade, ninguém encarcera uma opinião, ninguém enclausura uma fé.
A ayahuasca é diferente de outras religiões, que nascem de visões, contatos divinos, que têm origem na cosmologia do céu para a terra. A Ayahuasca é a religião da terra para o céu, da matéria eterna e natural para o infinito do sonho humano, a religião natural.
Uma verdadeira e única religião do Brasil, aliás, uma colossal e genuína religião amazônica! Combatê-la é bizarro, síndrome de colonizador!
◙ Moisés Diniz é deputado estadual (PC do B) – Acre.
Fonte: Site da Deputada Perpétua Almeida
http://www.perpetuaalmeida.org.br/site/texto.asp?id=519
por um_admin | abr 30, 2017 | Ayahuasca
FOLHA ONLINE – 19/11/2008
USP testa “chá do Santo Daime” contra depressão
fonte: folha.uol
O “chá do Santo Daime”, originário da Amazônia e empregado em rituais religiosos, tornou-se a base de uma pesquisa inédita bem-sucedida da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto para tratar pacientes com depressão.
O projeto-piloto foi feito com duas mulheres com problemas crônicos de depressão, que tomaram uma dose do chá e relataram melhora imediata. A idéia agora é estender o estudo para 60 pacientes, com dosagens repetidas. Os pesquisadores querem descobrir se a ayahuasca –espécie de chá com efeito alucinógeno feito a partir de um cipó e um arbusto originários da Amazônia– pode substituir os antidepressivos.
Depois de a Universidade Federal de Santa Catarina fazer pesquisas com camundongos, a USP testou o chá nas duas mulheres na faixa dos 50 anos que têm sintomas como perda de apetite, desânimo e choro.
Elas tomaram 200 ml (um copo) da bebida e ficaram em observação por três dias. “No mesmo dia as pacientes já estavam melhores, e no segundo dia diziam que não estavam mais depressivas, que as cores da vida tinham voltado”, disse Jaime Eduardo Hallak, professor do Departamento de Neurociência e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina da USP.
Após três dias, foi ministrado às pacientes antidepressivo comum, “porque ainda não há evidências do efeito permanente da ayahuasca”. “Mas elas acharam a experiência positiva e disseram que gostariam de tomar mais.” O médico agora aguarda nova autorização do Comitê de Ética do HC de Ribeirão para ministrar o chá a 60 pacientes em doses repetidas e em intervalos pequenos.
Na opinião de Hallak, é possível que o chá amazônico venha a se tornar uma arma contra a depressão. “Eu acredito que é possível formular um medicamento com o chá. Se não diretamente com a estrutura da molécula presente no Santo Daime, algo muito próximo.”
A ayahuasca contém duas substâncias –harmina e dimetiltriptamina. A harmina é uma espécie de antidepressivo, mas o que causa o efeito imediato é a dimetiltriptanima, que gera o equivalente a um banho de serotonina no cérebro.
O segredo do Santo Daime, diz Hallak, está na rapidez: o efeito é mais imediato, por exemplo, do que tomar um comprimido de antidepressivo.
O GLOBO / SAÚDE – 16/11/2008
USP de Ribeirão Preto pesquisa uso do chá de Santo Daime contra a depressão
fonte: globo.com
Duas mulheres, com problemas crônicos de depressão e que não respondiam bem ao tratamento convencional, foram as primeiras pacientes voluntárias de um estudo que vai testar a eficácia da ayahuasca – uma poção feita com o cipó Jagube e com a folha do arbusto Rainha, utilizada pelos adeptos do Santo Daime. O estudo que acompanhará, inicialmente, outros seis pacientes, é coordenado pelo professor Jaime Eduardo Cecílio Hallak, do departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, segundo reportagem do jornal A Cidade.
– Depois desse estudo com oito voluntários, vamos propor ao comitê de ética a ampliação até 60 pacientes. Os resultados com os dois primeiros casos foram fabulosos – garante Hallak.
O professor conta que as pacientes chegaram tristes, deprimidas, sem iniciativa, desanimadas, sem apetite e com insônia.
– Demos a ayahuasca e elas ficaram em observação no hospital durante três dias, por questão de segurança.
O pesquisador conta que depois de tomarem a ayahuasca, as pacientes tiveram visões semelhantes às relatadas pelos usuários do Santo Daime. E também sensações e pensamentos de bem-estar. Essas visões e sensações duraram de 40 minutos a uma hora. E logo depois veio a boa surpresa.
– Aí fica o que chamo de efeito fabuloso: as pacientes não estavam mais tristes, nem deprimidas. De imediato, as duas senhoras, alegres, disseram que passaram a encarar a vida com novo ânimo.
Para Jaime Hallak, as sensações de alegria e bem-estar delas, que ocorreram rapidamente – equivalem ao resultado normalmente obtido com o eletrochoque – procedimento utilizado quando os demais não funcionam – mas depois de 5 a 6 sessões de aplicação.
– Nesse caso de uma dose única, cujo efeito perdura por quatro a cinco dias, é um dado importante. Como é um teste inicial, não demos as doses subseqüentes e elas voltaram ao tratamento convencional.
“Banho” de serotonina
O pesquisador afirma que a poção ayahuasca contém duas substâncias já conhecidas: uma delas é a dimetiltriptamina e a outra é a harmina.
– A harmina, por si só, já é um antidepressivo potente, mas leva de 15 a 20 dias para funcionar. Então o bem-estar imediato não é provocado por ela, mas pela dimetiltriptamina, que causa essas sensações.
Segundo o pesquisador, a substância “dá um banho” de neurotransmissor no cérebro – que é a serotonina – e o paciente tem aquelas visões e a sensação de bem estar.
– Os antidepressivos disponíveis atualmente aumentam a disponibilidade do neurotransmissor serotonina. Mas a dimetiltriptamina ‘inunda” o cérebro de serotonina e provoca de forma muito mais acentuada o mesmo efeito dos antidepressivos. Depois vem rápido o bem-estar: esse é o grande achado.
O próximo passo é delicado: será preciso começar a ajustar a posologia, determinando a dose que deve ser dada, de modo a evitar muitas visões, mas garantindo a melhoria da depressão e mantendo sempre a sensação de bem-estar.
É preciso controle médico
A ayahuasca não tem contra-indicações, mas não deve ser usada fora do controle hospitalar e médico como antidepressivo. Pode ser contra-indicada se a pessoa já estiver tomando antidepressivos, por causa de efeitos colaterais.
Além disso, a substância harmina é inibidora de uma enzima que temos no organismo a MAO – monoamina oxidase. É a mesma substância encontrada em alguns antidepressivos, que exigem do paciente uma dieta especial. Nesse caso, para consumir a ayahuasca, o paciente precisa fazer uma dieta sem banana, presunto, queijo curado, entre outros alimentos que podem interagir negativamente com a substância.
Santo Daime
Hallak, médico formado na Universidade Federal de Uberaba – mas com carreira de pesquisador feita na USP, com pós-doutorado na Inglaterra, disse que não é praticante do Santo Daime. Mas depois de manter contato com os freqüentadores da igreja de Ribeirão Preto, o Centro Fluente Luz Universal Pedro Nunes Costa, conheceu histórias de pessoas que foram dependentes de álcool e drogas e que abandonaram naturalmente o hábito.
– Dependência de drogas ou álcool está ligada a quadros depressivos. Daí veio a idéia de pesquisar a ayahuasca como antidepressivo, embora já existam estudos com outros grupos mostrando o abandono dessa dependência depois de entrar no Daime – lembra o especialista.
Paralelamente, o grupo de Ribeirão está fazendo parceria com um grupo do sul do país que estuda detalhes do mecanismo de atuação da ayahuasca em animais. Depois do término do estudo-piloto, com oito pacientes – todos voluntários- os resultados serão analisados. Para completar o grupo de 60 voluntários, será preciso localizar pacientes depressivos que não estão sendo beneficiados pelo tratamento atual e querem ajuda.
Alucinógeno
O Santo Daime, enquadrado como alucinógeno, não causa dependência. Mas o consumo é liberado pelo Ministério da Saúde apenas para uso religioso. Já o Ministério da Cultura, ainda na gestão Gilberto Gil, transformou o Santo Daime em patrimônio histórico nacional.
Jaime Cecílio Hallak observou que todas as pessoas que tomam ayahuasca – seja na igreja ou no laboratório – têm as mesmas visões simbólicas ligadas a questões da natureza, com imagens de espíritos e seres da floresta.
– A pessoa não perde a consciência nem o controle e sabe que está tendo as visões.
Doença já é a quarta causa de incapacitação no mundo
Em 2020 a depressão será a segunda causa de incapacitação no mundo, segundo previsão da Organização Mundial da Saúde.
Hoje é a quarta causa – lembra o psiquiatra Silvio Luiz Moraes, chefe da equipe da Enfermaria de Psiquiatria do HC de Ribeirão Preto.
Ele admite que tem ocorrido mais casos da doença e que aumentou o número dos pacientes refratários aos tratamentos convencionais.
Jaime Hallak acredita que os critérios em diagnóstico melhoraram muito. Mas também existem evidências de que está aumentando o número de casos de depressão, por questões psicológicas da sociedade moderna.
E comemora que diminuiu o preconceito.
– Só da gente conversar sobre depressão para um jornal, mostra que as pessoas não têm mais vergonha de falar que vão a um psiquiatra. Hoje até parece que é status: eu vou lá no meu psiquiatra. Um dia estava conversando com um rapaz e ele falou: “tenho meus dois médicos, meu psiquiatra e meu terapeuta”.
Múltiplas causas
As causas das doenças psiquiátricas são consideradas multicausais.
– A pessoa pode ter uma predisposição genética, mas não é suficiente para determinar que a pessoa ou o filho dela terá depressão. Mas aumenta a chance desse filho ter o problema em comparação com o filho de uma pessoa que não tem depressão. Mas só isso não é suficiente para explicar- disse.
Segundo o pesquisador, é preciso a ocorrência de eventos na vida da pessoa “que propiciem essa carga genética de se expressar. E essa expressão dessa carga genética, significa que você tem um desequilíbrio bioquímico”.
Mas não é só ele: por isso, tratar depressão não é só dar remédio, diz o médico. “Acho imprescindível, além do tratamento medicamentoso ou biológico, fazer o acompanhamento psicoterápico.”
Doença crônica
A depressão é uma doença crônica: antigamente se acreditava que ocorreriam apenas episódios.
– Hoje em dia, pode ter gente que não concorda com essa visão, acredito que a depressão é recorrente. Quem teve um episódio, tem chance grande de ter um segundo episódio. Quem teve um segundo, quase certamente terá um terceiro; quem teve um terceiro, certamente terá um quarto episódio; cada episódio aumenta o risco: isso é biológico, não é psicológico. Por isso também não posso tratar depressão só com psicoterapia. Tem que tomar as medicações e fazer os tratamentos biológicos, afirmou o pesquisador Jaime Cecílio Hallak.
por um_admin | abr 30, 2017 | Ayahuasca
por: Dr. Régis Alain Barbier
As plantas sagradas, como um remédio, podem nos auxiliar a conscientizar um senso ampliado de identidade, provendo o estímulo necessário para a superação do hábito de restringir a nossa consciência de “eu” ao mundo das abstrações ou ao dos desejos egóico e pueris.
Com certeza, uma poção com a Ayahuasca, (assim como a seiva de outras plantas tradicionais e de uso ritualista), é capaz de proporcionar o auxílio que precisamos para redirecionar o nosso destino; orientar a humanidade em direção à realização do homo-sapiens verdadeiro: um ser ponderado, compreensivo, compassivo, tolerante, flexível e integrado.
O caminho dos vegetalistas, ou ayahuasqueiros, por ser mais intenso que muitas outras disciplinas, pode parecer de alguma maneira mais fácil por proporcionar um contato mais precoce e mais intenso com o numinoso. Tal contato pode inspirar compromisso e abrir as portas para mais força e criatividade, mais graça, para superar os conteúdos incômodos.
Certamente, com um investimento enorme de tempo e esforço, estas mesmas expe-riências podem ser obtidas pelos que dominam a ciência da meditação. Para investigadores cuja prática espiritual deve ser integrada com a necessidade de trabalhar e prover ao seu sustento, o uso adequado dessa tecnologia milenar pode tornar o pro-cesso da realização exeqüível. Para os que, mergulhados nessa nossa “sociedade de competitividade e consumo”, encontram o tempo para meditar essas experiências poderão vir a representar um salto qualitativo nas suas práticas.
Porém, a Ayahuasca não é um caminho para todos; substâncias psicoativas não são pontes, ou atalhos, apenas vias mais rápidas. A escolha deve ser baseada no conhecimento amplo dos fatores envolvidos. Esclarecer-se requer a resolução de materiais e conflitos inconscientes; aqueles que aspiram a essa realização precisam avaliar a sua disposição e coragem, decidir o compasso e a intensidade com a qual desejam se encontrar com essa psicodinâmica, essa “purgação” ou purificação na linguagem dos adeptos da Ayahuasca.
A Ayahuasca revela que o conhecimento que temos do mundo, da existência, é um estado ou processo psicossomático. A experiência mística realiza a descrição cientifica da relação ecológica de todos os seres, do campo quântico e unificado; essa experiência implica desapego e transformação, isto é a drenagem do conceito de “ego”.
Se a nossa intenção é sincera, se temos coragem e generosidade o suficiente, então vale a pena estudar todas as técnicas úteis para a realização espiritual – a Ayahuasca, utilizada com motivação certa, habilidade e integridade, pode contribuir muito para o alívio do sofrimento, dando acesso à sabedoria e visão necessária para a união mística.
AYAHUASCA COMO INSTRUMENTO DE AUTO-OBSERVAÇÃO:
A percepção, habitualmente embotada, permite apenas aprender e acessar uma fração distorcida de realidade; uma realidade revestida de projeções pessoais e pressuposições. A propriedade central dos “enteógenos” ou “psico-integradores” é com certeza levantar o véu, amplificando a experiência.
A Ayahuasca amplifica a capacidade psicossomática de responder a gradações mais sutis de estímulos além de muitas vezes integrar as diversas faculdades sensoriais em processos sinestésicos. Esse efeito de aumentar a capacidade de experienciar, de avaliar e apreciar por si mesmo, é central para a compreensão do seu significado.
Esta amplificação, como uma lupa, permite uma (re)visitação intensiva e absorta dos conteúdos mentais – recordações, idéias, fantasias, pensamentos, emoções, medos, esperanças, sensações em gerais. Na dependência da ética e valores morais atuais do indivíduo, além de influir na intensidade e no foco das percepções, a experiência pode motivar a re-significação dos conteúdos sendo observados. Valores morais e atitudes são revistas.
Aqui temos uma tecnologia que alterando a composição bioquímica do instrumento e dos meios de processamento da informação, permite a inativação temporária dos filtros culturais e psicodinâmicos que nos bastidores da mente agem determinando, formatando e hierarquizando, nossas experiências quotidianas.
Pode se de fato aprender muito, crescer e liberar energia psíquica revendo, transformando, eliminando, aceitando e se reconciliando com conteúdos incômodos.
COMO CAMINHO INICIÁTICO: SINCERIDADE E CORAGEM:
A função de uma substância com a Ayahuasca é muitas vezes mal entendida. Muitos pensam que pelo fato de terem tido experiências maravilhosas, já obtiveram as respostas e foram de alguma maneira transformados. Em alguns aspectos foram, mas muitos descobrem a realidade de que existem muitas camadas de condicionamento e ignorância a separar a mente superficial do núcleo do ser.
A Ayahuasca e outras plantas instrutoras podem levar à transposição dessas barreiras permitindo o acesso à nossa essência, necessitando, contudo persistência e comprometimento no sentido de mudar e remover os velhos hábitos que tendem a reaparecer.
Muitos imaginam que a repetição da experiência irá manter um estado de lucidez e visão, de fato pode, mas freqüentemente, a mudança requer trabalho duro e esforço dedicado; algumas vezes a experiência transforma, outras vezes mostra o possível, aponta o caminho, a responsabilidade de implementar as mudanças nos pertence.
Para o investigador espiritual sério, assim como para os que buscam conhecimento verdadeiro, a característica mais importante é a honestidade. Isto significa a coragem para olhar para o que se apresenta no processo, pela habilidade de admitir as suas falhas quando se tornam aparentes e pela determinação de mudar os seus comportamentos em função do que se revela.
O contéudo e natureza das experiências que essa substância induz não são, portanto, produtos artificiais resultantes da sua interação farmacológica com o cérebro, mas expressões autênticas da psique que revela seu funcionamento e potenciais em níveis inacessíveis no estado ordinário de consciência.
Para aquele cuja intenção real é instalar uma transformação psico-espiritual, a Ayahuasca pode funcionar como catalisador natural a revelar e liberar intuições e conhecimentos oriundos das facetas mais elevadas do ser, permitindo o acesso a uma sabedoria fundamental relativa ao universo e à nossa posição como indivíduo.
O grande valor da Ayahuasca, trazidos à nossa atenção pelas sociedades indígenas, é que ela dissolve os limites da mente inconsciente; ela dá acessos aos conteúdos reprimidos e esquecidos. Ela possibilita o reconhecimento das configurações universais da psique, os arquétipos de humanidade, junto com um leque mais abrangente de conhecimentos e maneiras de conscientizar, até eventualmente a vivência dos diversos aspectos da união mística.
COMO CAMINHO INICIÁTICO: TOLERÂNCIA:
Uma substância como a Ayahuasca oferece opções terapêuticas já que tende a dissolver a fragmentação e a compartimentagem interna, a revelar mecanismos de defesas diversos como “projeção”, “negação” ou “deslocamento”, possibilitando o esclarecimento dos sectarismos e pontos de vistos intransigentes.
Na medida em que o indivíduo consegue ver as coisas de uma maneira não distorcida, vendo claramente não apenas o seu passado mais também a presunção e cegueira da sua própria cultura e grupos de referencias, ele necessita, além de tolerar a decepção e o sofrimento, superar sentimentos de desamparo.
Nem sempre é fácil ter de ver e aceitar que não somos assim tão vítimas, mas sim responsáveis pelas nossas vidas; aceitar ser capaz, reconhecer o seu potencial e a responsabilidade que isso requer implica coragem e determinação. Podemos até recusar crer que fazemos jus a muita beleza e alegria, bem estar profundo, sem nada ter de pagar além de ser o que já se é; apenas sendo o que já somos. O gerenciamento emocional produtivo dessa reavaliação, a reorganização psíquica, implica um grau suficiente de equilíbrio e bom senso para que se tomam atitudes judiciosas sem precipitações.
TRIANGULAÇÃO – AYAHUASCA COMO UM FENÔMENO TRÍPLICE:
A PESSOA, O AMBIENTE E O CHÁ.
Sobre a influência da Ayahuasca, a intensidade dos estímulos – tanto por amplificação e enriquecimento de detalhes e pontos de vistas perceptuais quanto pelo maior influxos de dados perceptivos – aumenta consideravelmente as possibilidades de respostas à experiência. Devido a essa magnificação da percepção, uma atenção especial tem se dado à qualidade dos estímulos provenientes tanto do indivíduo quanto do meio onde o chá esta sendo utilizado.
A hipótese denominada em inglês de “set and setting” foi inicialmente formulada por Timothy Leary nos anos 60 no âmbito das pesquisas iniciais com agentes psicoativos e foi rapidamente aceita pelos demais pesquisadores da área. A teoria geral determina que o conteúdo de uma experiência com substância psicoativa é uma resultante da interação de três fatores básicos.
Os fatores essenciais são: o “set”, que traduzo como sendo o “fator pessoal”, isto é aquele que o individuo traz consigo, os seus conteúdos (intenção, atitudes, personalidade, humor, etc.); o “setting” ou “fator ambiental” corresponde a todos os elementos externos ativos e capazes de influir a experiência (fatores interpessoais, social, ambiental, o âmbito). A substancia em si, o “Chá” age como um gatilho, ou catalisador, a conectar e por em interação os fatores citados numa dinâmica especifica, criativa e intensa.
É evidentemente impossível definir qual dos fatores é o mais importante tanto quanto é impossível dizer qual o lado mais essencial de um triângulo isóscele. Contudo “o âmbito” é a vertente da experiência que pode ser programada, estudada, ensaiada e cuidadosamente preparada para um melhor proveito.
TRIANGULAÇÃO – O FATOR PESSOAL:
Como a Ayahuasca revela o nosso lado oculto, abrindo as portas do inconsciente numa linguagem psicológica, um enorme leque de opções e qualidade de experiência se apresenta. Na realidade essa poção psicoativa revela e liberta o que está dentro da pessoa, tornando a mente manifesta (ou seja, efeito “psicodélico” como “manifestação da mente”). A mente se torna sujeita a observação e, por isso mesmo, a transformação.
A fluidez e a qualidade do deslocamento do ayahuasqueiro nesse labirinto psíquico depende antes do tudo do fator pessoal, do “conteúdo” que inclui os elementos do inconsciente pessoal, o registro da experiência de vida, assim como os mecanismos condicionantes em operação – recatos e defesas – a determinar a liberdade de opções, a qualidade, riqueza e legitimidade das interpretações, enfim, os principais desafios do indivíduo.
Outro aspecto importante do conteúdo consiste nos valores e critérios pessoais; atitudes, aspirações, expectação, intenção e ética. Estes elementos irão influenciar a atração da atenção e determinarão o modo da pessoa lidar com o material psíquico revelado.
TRIANGULAÇÃO – O FATOR AMBIENTAL:
O fator ambiental se refere aos fatores externos ao indivíduo e capazes de influenciar a experiência: o lugar onde o chá é servido; a atmosfera do ponto de vista cultural, espiritual e emocional; como o indivíduo está sendo atendido; a quantidade de pessoas envolvidas; o tipo de liderança aplicada na experiência são alguns dos fatores a considerar.
Normalmente o indivíduo se torna bastante impressionável quando sofre os efeitos de substâncias como a Ayahuasca, estado decorrente da magnificação perceptual já mencionada. Esse efeito acoplado como o aumento da perspicácia, capacidade metafórica e habilidade em gerar psico-associações criativas, alimenta o lado noético e o imaginário da experiência.
É obvio que essa “impressionabilidade” não significa que o ayahuasqueiro é mais facilmente suscetível de influência do que o homem comum ou do que os fiéis das religiões de massas, por exemplo. O grau de credulidade, ingenuidade, ou então de cepticismo (ver nota) de um indivíduo reflete opções cognitivas, filosóficas, assim como traços de personalidade profundos e estáveis, até mesmo inerentes, que não serão transbordados pela “força e influência” do chá. Ao contrário, são justamente esses conteúdos profundos do indivíduo – inclusive tendências básicas como credulidade ou cepticismo – que determinam a maneira de significar a experiência.
O tipo e da qualidade do sistema de crenças, da visão, pertinente ao âmbito social no qual a experiência irá ocorrer assim como o tipo de liderança e dinâmica dos trabalhos são fatores essenciais, capazes de influenciar em grande parte a harmonia e tranqüilidade da experiência; possuir uma boa descrição do âmbito onde se irá comungar a poção é um fator importante. Uma liderança não muito interventiva e tranqüila favorece o acesso e estudo dos conteúdos pessoais, o exame e integração da sua própria trajetória, o encontro de caminhos e conceitos próprios.
Um facilitador precisa ser paciente, empático, familiarizado com os processos da experiência; ele pode ser muito efetivo sabendo refletir os pontos essenciais, fazer perguntas, observações aparentemente casuais. Cantos, músicas, atitudes e até mesmo orientações diretas bem dosadas, podem ser importante para facilitar uma experiência suave e rica.
O ayahuasqueiro descobrirá que dividindo possíveis dificuldades com companheiros receptivos e compreensivos poderá gerar claridade e conforto. Finalmente, e na maioria das vezes, o melhor guia é a nossa própria consciência e esse processo interno não deve ser interferido a não ser quando solicitado.
Rituais inspiradores, universais e holísticos, ambientes naturais, atividades espontâneas e criativas, permitem a focalização da atenção para regiões psíquicas interessantes.
Os próprios conteúdos, junto com a configuração de ambiente, a qualidade do chá, a própria intenção e a do grupo, configuram um processo singular, uma “gestalt”, um “ser maior”, o próprio eu transpessoal da experiência. Reconhecer e ter certeza de estar em sintonia e harmonia com esse “ser maior” gerado pelo evento é a chave de uma experiência de grupo bem sucedida.
(Nota) Cepticismo: atitude ou doutrina segundo a qual o homem não pode chegar a qualquer conhecimento indubitável, quer nos domínios das verdades de ordem geral, quer no de algum determinado domínio do conhecimento.
TRIANGULAÇÃO – O CHÁ:
Investigações demonstram a variabilidade do chá na sua composição química. Fatores dependentes, das plantas e lugar de origem, da hora da colheita, do preparo (quantidade relativa das duas plantas, grau do apuro e tipo de água utilizada – fatores com pH, teor mineral da água) todos influenciam a qualidade do chá e, portanto os seus efeitos. A quantidade utilizada durante uma cerimônia é também um fator decisivo.
Quantidades habituais ou moderadas permitem uma observação melhor dos seus próprios conteúdos, um estudo detalhado da sua própria psicodinâmica. Quantidades maiores são necessárias para se “viajar no astral” na linguagem dos usuários de algumas seitas. A utilização de grandes quantidades de chá, acima de 300 mililitros, numa única tomada é mais bem aproveitada em ambiente especifico, mais reservados com uma supervisão adequada e favorece o tipo de vivência descritas na fenomenologia como “experiências místicas”.
Com uma prática adequada e um considerável trabalho sobre si mesmo é possível se chegar aos mesmos resultados com dosagens menores.
INTEGRAÇÃO DA EXPERIÊNCIA – REAÇÕES:
Como as defesas do ego são desafiadas, sentimentos reprimidos e recordações afloram na consciência, podendo criar algum nível de ansiedade – uma reação semelhante ao enfrentado em situações inusitadas ou de desfecho incerto como praticar esportes radicais, participar de competições esportivas ou ainda se submeter a alguma prova. Uma experiência desse tipo é geralmente muito proveitosa por ensinar mais.
Reações adversas mais sérias ainda não foram descritas com o uso da Ayahuasca, em parte porque o chá tem sido utilizado com critério e responsabilidade, em doses adequadas, e que a Ayahuasca não tem sido promovido como sendo remédio e solução para curar as crises emocionais de pessoas seriamente transtornadas.
Triagens para eliminar os prováveis candidatos a reações adversas, como as personalidades esquizóides e pre-psicóticas, os neuróticos com instabilidade de identidade e níveis altos de ansiedades, os usuários de drogas e medicamentos psico-ativos possibilitam a realização de Cerimônias tranqüilas, seguras, criativas e de inestimável valor espirituais.
INTEGRAÇÃO DA EXPERIÊNCIA – EFEITOS PRÁTICOS:
Experiências como as proporcionadas pela Ayahuasca são por natureza transcendental, transpessoais, porque alargam a experiência e visão da realidade, diminuem o império do ego sobre a personalidade, facilitam uma mudança de valores.
Torna-se evidente que a utilização de uma substância como a Ayahuasca é mais útil dentro de um contexto e de uma disciplina tendo como objetivo o crescimento e a evo-lução espiritual, um programa chamando atenção para os valores éticos e morais fundamentais. Uma disciplina adequada fornece um corpo de ética capaz de apoiar as mudanças requeridas, clarificando os objetivos, mantém a mente focada e aberta para o aprofundamento crescente da experiência.
É o indivíduo, a sua intenção que determinam se a experiência será mística e religiosa, evolutiva ou não. Bastante preparo é necessário para se chegar a uma experiência mística, mesmo usando Ayahuasca e um trabalho de integração efetivo é necessário para que a experiência seja de fato transformadora. Se o estado de consciência ampliado induzido pela experiência conduz ou não a mudanças positivas e duradouras, depende da intenção e dedicação do usuário.
Uma visão, mesmo rápida, de uma realidade maior pode mudar a vida de uma pessoa se ela resolve integrar essa visão à sua realidade.
Receber uma luz não é igual a aplicar essa luz no dia a dia; não há conexão inerente entre uma experiência mística de unidade e a expressão ou manifestação daquela unidade na vida cotidiana. Este ponto é talvez óbvio, contudo freqüentemente esquecido por aqueles que debatem se, em princípio, um agente psicoativo pode ou não ter valor no âmbito da busca espiritual. Qualquer que seja a fonte ou a origem da iluminação, as revelações só poderão ter efeitos práticos com a permissão e dedicação do individuo.
Autor: Dr. Régis Alain Barbier – médico, filósofo, presidente da Sociedade Panteísta Ayahuasca e iniciador do Movimento Filosófico Essencialista.
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