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15 Alertas fundamentais aos estudiosos sobre espiritualidade

15 Alertas fundamentais aos estudiosos sobre espiritualidade

1. Desânimo!

Mantenha-se em total vigilância e compreensão sobre o desânimo! – É normal haverem momentos em que se perca um pouco de foco e força. Acalme-se e não procure soluções imediatas. A energia do ambiente se modifica e cai a sintonia. O Sol sempre volta a brilhar e com ele as esperanças também voltam a se aquecer e tudo volta ao normal, não se desespere!

2. Orgulho!

Cuidado profundo com o orgulho que está diretamente ligado com a VAIDADE! – QUESTIONE-SE SEMPRE! E aprenda a ouvir as críticas que chegam. Às vezes elas vem duras e dando porrada, mas trazem verdades.

3. Aprenda a ouvir crítica!

Lidamos com muita gente de opiniões, religiões e estudos diferentes. É normal haver discordância e é importante estar antenado para saber se podemos melhorar os pontos. Nunca se irrite quando alguém discordar de você, mas observe qual foi o ponto que a pessoa quis mostrar. Ela pode estar errada, mas também pode estar certa, mesmo quando o verbo usado veio de uma forma intensa! Entenda que é a forma como somos lapidados, como os avisos nos chegam às vezes!

4. Questione-se!

Espiritualidade, mediunidade, etc… são coisas sérias e como lidamos com espíritos e pessoas, somos passíveis de erros e enganos! Permita-se a dádiva de poder errar, pois errará! Espiritualista que não se questiona está fadado a cair! Grupo espiritual que não se permite ajuda uns dos outros, que não tem como princípio discordar educadamente, melhorar os pontos, não estão abertos, irão desmoronar e com inimizades, pois é avenida aberta ao assédio espiritual!

5. Vaidade!

Cuidado com os elogios! Eles são bons e vem como incentivo, sempre virão, mas fique vigilante! Mentor sério sempre vem para mostrar pontos para melhora e não exaltar atitudes somente. Duvide daqueles que dizem que você foi alguém famoso ou importante, receba o presente do agradecimento, mas não deixe alimentar-se disso. E respeite aqueles que são mais místico ou perceber passarem do limite! Tente ajudar, se não for possível, entenda que o momento de cada um é necessário, mesmo que o leve a sofrimento. Nem os mentores interferem por vezes nesses casos. Não somos ruins mas também não somos tão bons quando por vezes achamos! Siga o caminho do meio e sempre observe cada atitude. A maioria dos espiritualistas caem nessa armadilha que é muito usada por espíritos inteligentes e zombeteiros, com intuito de expor a pessoa ao ridículo.

6. Responsabilidade nas atitudes!

Não culpe aos espíritos por tudo! Você é o culpado pelo acesso! Somos nós que permitimos intervenção, sejam de espíritos bons ou de espíritos ainda perdidos na ilusão. Isso significa assumir tanto o lado ruim das suas atitudes, como a parte boa! Foi você quem fez ela, quem deu acesso, mesmo quando tinha boa vontade! Não precisa nem sentir-se pequeno e muito menos superior a ninguém!

7. Culpa!

Muito cuidado com a culpa! É através dela que espíritos nos pegam em cheio! Aprenda com os erros, procure não repetir os mesmos, mas não se permita essa doença da alma chamada CULPA! Transforme a culpa em consciência. Converse consigo mesmo SEMPRE, entenda que é normal cair, errar e que cada escorrego servirá de apoio feliz para continuar o projeto de aprendizado. Aprender é uma aventura, e errar faz parte dela! Sem grilo no caminhar!

8. Complique menos as coisas!

Não precisa fingir que está tudo bem sempre, é preciso permitir perceber quando as coisas não estão bem para abrir vigilância nos momentos necessários, mas procure não complicar elas e dar mais importância do que deveria.

9. Comunicação

Aprenda a curtir o interior em cada momento! É possível fazer isso tanto nas horas boas quanto as complicadas. Procure observar mais as suas atitudes e entender que momentos bons vem e vão, e nem sempre é sensato falar tudo para todos e cuidado com o que fala. Nem tudo que você vê é realmente um aviso ou algo que deve ser levado a sério a ponto de ser exposto! Cuidado com o que acha ser mediunidade, clarividência, aviso fora do corpo etc. Se for o caso guarde a visão para si mesmo. Por vezes queremos ajudar com essas visões e acabamos é atrapalhando a vida da pessoa, ainda mais quando não temos certeza se somos ou não bem influenciados naquelas comunicações. Lembre-se que ao espiritualista é dado o poder da comunicação, ele tem a capacidade de levar informação. Por isso cada palavra deve ser bem pensada, pois muita gente pode lhe ter como modelo!

10. Julgar!

Cuidado com o que pensa do próximo! A língua é como uma espada afiada! Ela pode tanto ajudar quanto prejudicar, depende de como se faz uso da mesma! Ouvirá muita gente comentando dos outros, às vezes de forma mascarada e de espiritualistas que menos esperava, não entre nessa! Algumas vezes são como se fossem santos tentando ajudar, mas perceberá as artimanhas do julgo facilmente nas pessoas. Sempre de forma educada procure apontar as qualidades das pessoas, mesmo aquelas que pareçam mesmo as mais erradas. Não tente se mostrar superior àquele que julga, mas não deixe de sutilmente tentar ajudar. Afinal, naquele ponto podemos mesmo ser melhores, mas o espiritualista consciente sabe que o que é fácil para um não necessariamente é para outro, e sabe se colocar no lugar dos outros de verdade.

11. Conflitos

Aprenda a ouvir a todos e tirar o melhor de cada um. A pessoa que menos esperar pode lhe ensinar muito. Mesmo numa coisa que aparentemente já saiba, lhe dar um novo ângulo ainda não visto. Mesmo que não concorde com uma ou mais visão de determinada religião ou estudo, procure olhar com calma. Você é o observador de si mesmo. A forma como se coloca no mundo faz com que possa pousar em todos os galhos e tirar o melhor. E deixar um pouco de si mesmo quando for possível.

12. Respeito!

Respeite as pessoas como elas são! Nós mal conseguimos mudar a gente mesmo! Posicione-se sempre com paz. Não espere respeito das pessoas. Saiba onde você está e sempre pergunte-se: – Estou encarnado onde? – O que esperaria daqui? Não espere dessa zona grandes retornos das atitudes, aqui é um hospital onde a maioria está passando por tratamento intensivo na consciência e não é fácil para ninguém.

13. Assédio!

Todos os tópicos citados estão relacionados com assédio. Toda vigilância é pouca para o espiritualista! Ele trabalha despertando consciências e isso incomoda muito. Muito cuidado e nunca perca a seriedade para isso. Haverão inúmeras e incessantes tentativas de acesso à tentativa de desarmonia do espiritualista. Quando não nos defeitos dele, será tentado de todo lado na família, amigos etc. Os ciclos vem e vão. Existem momentos mais calmos e outros mais tensos! Procure sempre ficar vigilante e não se esqueça dos mentores em cada etapa! Cuidado com quem e como se relaciona! Os espíritos usam muito o relacionamento amoroso, como ciúmes, envolvimento com pessoas que nos levam a sofrimento, EGOS, etc… Cuidado para não se envolver com pessoas do mesmo grupo e com isso se afastar do mesmo! Essa é a principal artimanha de espíritos nos grupos espirituais! Utilizam a carência, das ligações físicas, do sexo, da vontade para criarem verdadeiras GUERRAS de assédio. Muitos grupos se desfazem por isso, muitos projetos são deixados de lado por falta de vigilância. Muito cuidado ao se envolver com outras pessoas. Mesmo quando você conseguir vigiar todas as suas brechas, eles pegarão os outros! Quando alguém se aproximar de você, sempre procure colocar-se como irmão espiritual e ajudar. Lucidez e controle para perceber isso e conseguir de forma sutil e inteligente não cair em atitudes que levarão a sofrimento, falhas e afastamentos dos projetos espirituais.

14. Sintonia e Mentores!

Um espiritualista sério não anda só! Ele é equilibrado, tem os pés fortemente plantados na terra, mas a cabeça super conectada com o alto. Ele sabe que não é especial, e aquele que assim se achar já está com uma porta imensamente aberta. Espiritualista NÃO É ESPECIAL! É só uma simples ferramenta de trabalho, de ajuda e sabe que é o mais necessitado desse trabalho, mas sabe isso de verdade e não só na força do verbo! Se os mentores fossem procurar pessoas perfeitas para fazerem o trabalho, não achariam nenhum! Eles usam o que podem, e sabem que somos frágeis em vários aspectos! O amparo é sim maior em cima de quem sofre mais assédio, mas a responsabilidade também é, pois mentor ajuda dentro dessa condição: A QUEM MUITO FOI DADO, MUITO SERÁ COBRADO! Lembre-se que o conhecimento que carrega lhe será colocado à prova, faça uso deles sempre! Mas não se esqueça que nem sempre é possível sozinhos, tem horas que é necessário fechar os olhos e pedir ajuda também, isso se chama vibrar, orar, se chama Humildade! Faça a sua parte e use com cautela e responsabilidade os conhecimentos aprendidos no caminhar!! Conhecimento não é sabedoria, mas é caminho sem volta! Você não conseguirá correr mais do que aprendeu e mascarar isso é sofrimento garantido! Espiritualista sabe disso e anda com muito cuidado em cada campo que vá.

15. Mudança de sentimentos!

Espiritualista tem dois sentimentos bem distintos ao seu lado! Ele sente grande alegria pela sensação de utilidade em sua vida, mas sente também a tristeza mais forte por causa do contato direto com seres em sofrimento. Sabe que tem momentos de grande turbulência e procura manter-se desperto para eles, não corre e não se desespera. E tem momentos de grande elevação, quando fecha os olhos e sente fortemente o contato com os amigos espirituais! É como viver no paraíso e no inferno ao mesmo tempo sem se abater tanto nem pra baixo nem pra cima! Ele aprende a andar em zonas densas e sutis, respeitando e nem se sentindo inferior ou superior por isso. Sabe que tem momentos na vida bem complicados, que não é protegido disso, que como todos precisa também passar pelos seus aprendizados, karmas e momentos naturais da vida, que tem fases que precisa acender seu coração espiritual e continuar firme no propósito! Lembre-se: Começar sempre é fácil… Continuar é o grande desafio… Aquele que se manter mais ou menos esperto nos 15 tópicos aqui relacionados, conseguirá andar melhor no caminho do despertar das consciências. Incluindo a sua própria! E não livre do assédio, porém mais vigilante e preparado! E terá dos amigos espirituais a companhia de uma pérola encarnada, pronta para servir e ajudar nessa jornada linda do amparo!

Muita paz, luz, lucidez e amor!

Saulo Calderon

* texto transcrito do perfil do autor no facebook:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=4390674173364&set=a.1832378617574.107824.1483667770&type=1&ref=nf

 

Código de Ética para Guias Espirituais

Código de Ética para Guias Espirituais

O Council on Spiritual Practices tem um documento que é bastante útil para pessoas atuando como facilitadores em experiências espirituais ou enteógenas. Nós do Universo Místico estamos comprometidos com este código, como um guia de reflexão e comportamento, e incentivamos nossos associados para que o estudem e o levem à prática quando estiverem em posição de guias de visitantes ou recém chegados, para que assim nosso servir seja pleno de amorosidade ágape.

[Prefácio] As pessoas há tempos procuram enriquecer suas vidas e despertar para sua natureza completa através de práticas espirituais que incluem oração, meditação, disciplinas de corpo e mente, serviços, rituais, liturgias conjuntas, atenção a épocas e dias sagrados e ritos de passagem. “Práticas religiosas primordiais” são aquelas com objetivo de evocar, ou provavelmente levar a, estados de consciência excepcionais tais como a experiência direta do divino, da unidade cósmica ou da consciência ilimitada.

Em qualquer comunidade, há pessoas que se sentem chamadas a ajudar outros ao longo do caminho espiritual, e que são conhecidas como sacerdotes, rabinos, pastores, curandeiros, xamãs, padres ou outros títulos. Nós chamamos tais pessoas de “guias”: são aqueles com experiência em alguma prática, familiares com a área, e que agem para facilitar as práticas espirituais dos outros. Um guia não precisa afirmar possuir conhecimento exclusivo ou definitivo sobre sua área.

Práticas espirituais, e especialmente práticas religiosas primordiais, envolvem riscos. Então quando alguém escolhe praticar com a assistência de um guia, ambos adquirem responsabilidades especiais. O Conselho em Práticas Espirituais propõe o seguinte Código de Ética para os que atuam como guias espirituais.

1. [Intenção] Guias espirituais devem praticar e servir de modo a cultivar consciência, empatia e sabedoria.

2. [Servir à sociedade] Práticas espirituais devem ser planejadas e conduzidas de modo a respeitarem o bem comum, com atenção devida à segurança do público, saúde e ordem. Já que a consciência ampliada obtida com as práticas espirituais pode levar ao desejo de mudanças pessoais e sociais, guias devem ter cuidado especial para ajudar a direcionar as energias daqueles a quem servem, assim como as próprias, de uma maneira responsável, que reflita um cuidado amoroso com toda a vida.

3. [Servir às pessoas] Guias espirituais devem respeitar e procurar preservar a autonomia e dignidade de cada pessoa. A participação em cada prática religiosa primordial deve ser voluntária, baseada em explicações fornecidas previamente e no consentimento individual de cada participante, dado em um estado normal de consciência. As explicações devem incluir, no mínimo, uma conversa sobre qualquer elemento da prática que possa razoavelmente ser encarado como tendo riscos físicos ou psicológicos. Em particular, os participantes devem ser avisados de que experiências religiosas primordiais podem ser difíceis e dramaticamente transformadoras. Guias devem tomar precauções adequadas para proteger a saúde e segurança de cada participante durante a prática espiritual e nos períodos de vulnerabilidade que possam se seguir. Os limites na atuação dos participantes e facilitadores devem estar claros e em concordância antes de qualquer sessão. Regras apropriadas de confidencialidade devem ser estabelecidas e honradas.

4. [Competência] Guias espirituais devem ajudar apenas nas práticas em que são qualificados por experiência pessoal e por treino ou formação.

5. [Integridade] Guias espirituais devem se esforçar para estar conscientes de como seu sistema de crenças, valores, necessidades e limitações afetam seu trabalho. Durante práticas religiosas primordiais, os participantes podem estar especialmente abertos a sugestão, manipulação e exploração. Portanto, guias se comprometem a proteger os participantes e não permitir que ninguém use tal vulnerabilidade de modo a prejudicar os participantes e outros.

6. [Presença discreta] Para ajudar a se precaver contra as consequências negativas da ambição pessoal e organizacional, comunidades espirituais costumam ser melhor aceitas com um crescimento através da atração ao invés da promoção ativa.

7. [Sem fins lucrativos] Práticas espirituais devem ser conduzidas no espírito de serviço. Guias espirituais devem se esforçar para acomodar os participantes independentemente de sua capacidade de pagar ou fazer doações.

8. [Tolerância] Guias espirituais devem praticar abertura e respeito com pessoas cujas crenças aparentemente contrariam as suas.

9. [Revisão por pares] Cada guia deve procurar aconselhamento de outros guias para garantir a integridade de suas práticas e deve oferecer aconselhamento onde for necessário.

A versão original deste rascunho, para comentário público, foi lançada em 10 de agosto de 2001.

A versão atual em inglês está disponível em http://csp.org/code.html

O Código de Ética para Guias Espirituais, do Council on Spiritual Practices, R. Jesse, Convenor, está licenciado com uma Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 United States License. Cópias e trabalhos derivados devem conter um link para www.csp.org/code.html.

Impressões sobre a Ayahuasca

Impressões sobre a Ayahuasca

Revista ISTO É – Entrevista com Patrick Druot

Druot procurou nos Xamãs o que não achou na ciência

O físico Patrick Druot, que já vendeu um milhão de livros sobre xamanismo, saber de culturas ancestrais, diz que vêm aí boas mudanças

Patrick Druot, 53 anos, pós-graduado na Universidade de Columbia, consegue enxergar a virada do milênio com um otimismo contagiante, apesar do quadro de guerras, desemprego e desigualdade social. Ele arrisca dizer que nos espera um tempo de mais tolerância, compreensão e amor. Esse otimismo é resultado de 20 anos de experiências com expansão da consciência e contatos com culturas antigas. Nesse período, conviveu com tribos indígenas e aborígenes na América do Norte e na Oceania, onde estudou o trabalho dos xamãs, líderes espirituais conectados com a natureza. Segundo Druot, em breve ocorrerá uma mudança porque as pessoas buscam cada vez mais respostas espirituais para dar sentido à existência. “Acho que o Brasil terá um papel importante neste despertar”, ele anuncia. Até os 35 anos, ele mesmo acharia graça no que acredita hoje. De família católica, deixou de ir à missa aos 15 anos para tornar-se um cético convicto. Foi depois de se pós-graduar em Física que começou a ter contato com o fenômeno da expansão da consciência e especializou-se em Terapia de Vidas Passadas (TVP), que pesquisa e pratica no Instituto de Pesquisas Físicas e da Consciência, em Paris. “Essas experiências me reconectaram a Deus.” Quanto a frequentar uma igreja, ele diz: “Sim. Uma floresta, uma praia, o mundo todo é uma catedral.” Em sua sétima visita ao Brasil, para dar workshops sobre vidas passadas e lançar seu quinto livro, O físico, o xamã e o místico (Editora Nova Era), ele deu esta entrevista.

ISTOÉ – O que é um xamã?

Patrick Druot – É uma pessoa investida de dons de profecia, dons de cura, de percepção a distância. Os xamãs dizem que os primeiros professores nos tempos antigos eram as plantas e os animais. Eles foram os primeiros líderes religiosos, os artistas, os médicos. Sua herança enorme influenciou, milênios mais tarde, as primeiras religiões organizadas. Cristianismo, budismo, taoísmo, tudo isso tem origem xamânica.

ISTOÉ – O que levou um físico como o sr. se interessar pelo tema?

Druot – Há 20 anos, comecei a me interessar pelo que se costuma chamar de estados alterados de consciência. Conhecia-se a atividade da superfície do cérebro, mas nunca explicaram como ele funcionava e o que o fazia funcionar. Durante muitos anos, me interessei pelo fenômeno da vida antes do nascimento e tentei entender onde essa memória estava gravada. A ciência não respondia a essas indagações, então comecei a estudar diversas tradições orientais: as escolas de ioga, o budismo e, como morei dez anos nos Estados Unidos, trabalhei e vivi com índios americanos. Conheci suas cerimônias e seus rituais de cura e me interessei pela origem desses estados de consciência.. E aí foi preciso voltar mais de 20 mil anos, ao tempo dos primeiros xamãs. Foram eles, no período paleolítico superior, os primeiros a passarem para o outro lado e a explicar como era estruturado o mundo xamânico.

ISTOÉ – O xamanismo faz parte da história de todos os povos?

Druot – Sim. O termo xamã foi adotado pelos antropólogos para definir todos os representantes religiosos e seres particulares de todas as raças. O termo tem origem siberiana. Saman, quer dizer aquele que sabe, aquele que é. Na tradição xamânica mundial, os xamãs são aqueles que vêem o mundo como um composto de três mundos. Um físico, povoado pelos espíritos da natureza, um mundo subterrâneo e um terceiro, sublimado. Em todos os grupos, seja na Sibéria ou na Nova Zelândia, as tradições sempre batem: são três mundos ligados por um eixo central. A imagem varia. Pode ser uma corda, uma escada, uma montanha. O dom do xamã é viajar pelo intermundo, ao longo dessa corda que atravessa os três mundos.

ISTOÉ – Em seu livro, o sr. afirma que a ciência moderna ainda não distingue psicose de despertar xamânico. Por quê?

Druot – Há um psiquiatra inglês que diz que o sábio e o psicótico estão no mesmo oceano. Mas enquanto o sábio nada, o psicótico se afoga. Eles têm percepções idênticas, mas o psicótico não sabe ordenar o saber. Até o fim dos anos 50, a ciência pensava que o xamã era um esquizofrênico. Foi preciso que o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss afirmasse que eles sabiam exatamente o que os xamãs faziam e que havia uma lógica em seus rituais. Não eram selvagens porque moravam na floresta, era o mundo deles.

ISTOÉ – O que é a física xamânica?

Druot – Eu queria saber como o xamã viajava pelos três mundos, onde estão esses mundos. Em física, sabemos que o universo é feito de vibrações. Supus que o xamã era capaz não apenas de se projetar num mundo de vibração, mas de mudar essa vibração. Na física quântica, diz-se que tudo está ligado ao chamado tecido subjacente do universo. No mundo do xamanismo dizem que estamos todos ligados. Os celtas e os druidas viam o mundo como uma teia de aranha tridimensional. Se puxarmos um pedacinho aqui, toda a teia vibra. Em física quântica diz-se que o universo está ligado por cordas supersensíveis. Para mim, havia uma ligação entre o xamanismo e a física quântica porque ambos trabalham com vibrações, oscilações, sons. E os xamãs sabem disso.. Foram os primeiros físicos da história.

ISTOÉ – Por que as tradições xamânicas são apenas orais?

Druot – Nossa cultura ocidental privilegia o lado esquerdo do cérebro, lógico, racional, ligado ao tempo linear. E também é ligado à palavra escrita. Esse tipo de tradição xamânica funciona principalmente no lado direito do cérebro, ligado à tradição oral. No Taiti, encontramos os sacerdotes maoris que conservam a tradição do povo. Eles são capazes de contar a história de 20 gerações de sua família. Levam-se de 30 ou 40 anos para aprender a tradição oral, mas nada é deformado. É o mesmo motivo pelo qual a maioria dos povos tradicionais não acredita em reencarnação. Eles não têm a mesma concepção de tempo, que não é linear para eles. Esses povos vivem o agora.

ISTOÉ – E o que o sr. acha?

Druot – Buda tem uma boa resposta.. Ele disse que não se pode dizer que existe, mas também não se pode dizer que não existe.. Conheço um número enorme de pessoas que tiveram experiências de vida anterior. Não podemos provar cientificamente, mas há muitas evidências. E o potencial terapêutico da regressão é impressionante. Muita gente passa por diversos médicos sem conseguir se curar e, com duas ou três sessões de regressão, descobrem-se os motivos da doença e ela passa. Funciona em cerca de 80% dos casos.

ISTOÉ – Ainda há muitos xamãs hoje?

Druot – Com o expansionismo branco, a partir do século XVI, essas culturas tradicionais foram proibidas e seus territórios foram tomados. Nos Estados Unidos, o xamanismo desapareceu quase totalmente. Nos anos 60, no entanto, os índios americanos começaram a resgatar antigos ensinamentos. Só em 1978 o presidente Jimmy Carter assinou o American Indian Religious Freedom Act (lei da liberdade religiosa indígena). Atualmente, muitos americanos com problemas psicológicos vão se tratar com os índios. Esses xamãs são inacessíveis, não falam facilmente. Encontrei um xamã maori na Polinésia que disse: “Vocês tiraram nossa língua e nossa cultura e nossos filhos não falam mais taitiano. Não vamos ensinar nossas tradições.” É um trabalho muito lento. Levamos muitos anos. Só se você começa a pensar com o lado direito do cérebro, consegue se comunicar com eles.

ISTOÉ – É possível desenvolver o lado direito do cérebro?

Druot – Sim. Mas leva algum tempo.. Porque o mundo ocidental faz parte de uma cultura do lado esquerdo, enquanto os povos tradicionais têm uma cultura do lado direito. O ideal não é usar apenas um dos lados, mas conseguir sincronizar os dois. Viver no mundo material, mas com uma percepção diferente. Dessa maneira, o mundo torna-se um teatro mágico.. Quando o lado esquerdo pára de bloquear, pode-se ir ao mundo dos sonhos. O escritor mexicano Carlos Castañeda já contava em seus livros como aprendeu com um xamã mexicano a ir ao mundo dos sonhos e disse que é tão real quanto este aqui.

ISTOÉ – Como foi a sua experiência com o Santo Daime?

Druot – Não era o Santo Daime que me interessava, mas a ayahuasca (planta que produz um chá alucinógeno utilizado pela seita amazônica). Mas eu não tinha contatos diretos. Não se pode ir à floresta buscar a planta sozinho. Em 1994, meu antigo editor brasileiro fez um contato com Alex Polari, um dos líderes da seita em Céu do Mapiá. Tenho respeito pelos rituais, pela igreja, mas não participei. Disse desde o início que me interessava pela planta que, no princípio, era uma planta xamânica. Em abril de 1995, eu e minha mulher, Liliane, passamos duas semanas na floresta e fizemos muitas experiências sob o efeito da ayahuasca. O cérebro funciona de forma totalmente diferente. Tudo se abre. Você pode ver espíritos, as auras. Fizemos até contato telepático. Por três ou quatro minutos, soubemos exatamente o que o outro pensava. Sentia e via a Terra respirar, num movimento claro. Tudo se organizava em fractais.

ISTOÉ – De que serviu a experiência?

Druot – A ayahuasca é usada para propósitos religiosos, alguns usam para curar, tirar pessoas da dependência de drogas, álcool. Mas em minha opinião, é muito mais do que isso. Acho que ainda não se sabe usá-la para conhecer o outro e a si. Com ela, se poderia descobrir muito sobre as causas de doenças físicas e emocionais. Essa experiência provou o que estudei por 15 anos: só utilizamos uma parte mínima do cérebro. Não tomamos mais a planta, mas ainda temos algumas vibrações e percepções que vêm dela. Não vemos mais uma floresta como antes. Nosso contato com a terra foi modificado. Há uma percepção mais aguçada. Traz sentimentos de tolerância, de respeito e de amor.

ISTOÉ – É possível passar por este tipo de experiência sem a ayahuasca?

Druot – Talvez. Eu já tinha percepções desde 1985, estimulando uma visão vibracional. Há um campo magnético ou vibracional que circunda todas as coisas vivas, até nós mesmos. E tudo o que acontece com você está escrito neste campo. É uma técnica. Tem de ser feito com sons, sobretudo com tambores, que são os batimentos cardíacos do criador. Quando se está em sincronia com uma batida de tambores, é possível fazer a viagem. Passei por essas experiências com os índios do Canadá, nas ilhas do Pacífico, nos EUA. O uso de plantas é específico da América do Sul e Central, onde se usa o peiote.

ISTOÉ – A experiência é similar?

Druot – A ayahuasca é mais imediata ao abrir as portas psíquicas, as portas da percepção. É como se o cérebro se abrisse. Tecnicamente falando: normalmente, vemos o mundo através de nossos olhos. Mas não vemos como o cérebro vê. O olho é um instrumento de análise de frequência, como o ouvido. Isso só foi descoberto nos anos 60. Isso significa que vemos e escutamos através dos olhos, mas não é como o cérebro vê e escuta.. Com a ayahuasca, você vê e escuta como o cérebro. É uma percepção holográfica do mundo. Porque o cérebro é um holograma. Ele se abre para você. Mas acho que não se pode tomá-la de qualquer jeito, é preciso uma boa orientação, alguém que te ajude a passar pelos vários estágios da ayahuasca. E também é preciso estar junto à natureza. Não acho cabível tomá-la num lugar fechado, por exemplo. O que acontece é que a planta abre todos os canais, as pessoas vêem cores, caleidoscópios e ficam felizes. Mas é muito mais do que isso.

ISTOÉ – Como o sr. se preparou para a experiência?

Druot – Antes de tomar a ayahuasca, estudei o trabalho de um etnofarmacobiologista da Finlândia, desenvolvido durante seis anos. Eu sabia que não havia efeitos colaterais nem risco de dependência.

ISTOÉ – O sr. sentiu medo?

Druot – Sim, porque nunca tinha tomado nada parecido na vida, nenhuma outra substância alucinógena. Não sabia exatamente o que esperar. Quando comecei a sentir os efeitos, me senti mais confortável, entendi o que a planta me ensinava.

ISTOÉ – O sr. acha que há hoje uma maior abertura do mundo ocidental para estes ensinamentos?

Druot – Sim. Em 15 anos, vendi um milhão dos meus cinco livros, e recebi cerca de 60 mil cartas. Acho que estes números podem ser tomados como uma prova de um interesse crescente. As pessoas querem saber quem são, qual o seu lugar no mundo. Não somos robôs, somos seres humanos. Entre muitos povos índios, o próprio nome do povo significa seres humanos, como os cheyenes americanos. No Havaí, os locais chamam os brancos de haoles, que significa os que são mortos por dentro. Eles dizem que não estamos vivos, porque não estamos conectados com os espíritos e a natureza.

ISTOÉ – A que o sr. atribui esse interesse?

Druot – No século XVII, houve dois gênios que criaram os fundamentos da ciência moderna: René Descartes e Isaac Newton. Eles começaram a explicar muitos fenômenos que não se explicavam antes, mas o problema de suas visões foi ver o ser humano como uma máquina, um relógio. Desprezaram a consciência e o espírito. A ciência se pulverizou. Olha-se apenas o corpo, não o espírito. Acho que o terceiro milênio trará a reunião de tudo. Os xamãs dizem que as doenças entram quando a pessoa está separada dela mesma e do mundo. Os índios navajos americanos têm um sistema médico que reconecta a pessoa a ela mesma e ao universo. Agora, há na Universidade de Medicina de Phoenix, no Arizona, um departamento intercultural com xamãs navajos e médicos americanos, que tentam entender como eles curam pessoas desenganadas de câncer, por exemplo.

fonte:
http://www.terra.com.br/istoe/vermelha/157102.htm

Ayahuasca e Psiquiatria

Ayahuasca e Psiquiatria

LÉO ARTESE ENTREVISTA O DR. ELISEU LABIGALINI JR.

Entrevistei o Dr. Eliseu Labigalini Jr., Médico-psiquiatra, psicoterapeuta junguiano. Mestre em psiquiatria pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina). Especialista em fármaco-dependências e membro da Doutrina Santo Daime

Transcrição: Mariana Waldow

Léo Artése: Gostaria, antes de tudo, de lhe pedir que explicasse o surto, o que acontece nesse processo.

Dr. Eliseu: Esse termo “surto” é usado para pessoas que entram no que chamamos de “surto psicótico”. Um surto psicótico é a situação em que uma pessoa se desconecta da realidade, passando a ter alterações de pensamento e das percepções. Essa percepção alterada da realidade é o delírio, que muitas vezes no surto é persecutório, e a pessoa sente que está sendo perseguida ou ameaçada constantemente. Podem ocorrer alucinações auditivas e visuais eventualmente, por exemplo, ouvir vozes que ameaçam, que recriminam. O surto psicótico pode ser a primeira manifestação da Esquizofrenia, mas nem todo surto é necessariamente o início do processo esquizofrênico.
Há diversos tipos de surtos psicóticos. Alguns poderíamos chamar de “benignos”, que seria, por exemplo, um surto que ocorre após um estresse muito forte, então a pessoa entra no surto mas ele é passageiro. Este é um surto reativo, assim como podem ter outras pessoas que vão reagir com pânico, que está mais relacionado com a ansiedade. As reações diante de um estresse são individuais. É importante perceber que a esquizofrenia será percebida ao longo do tempo, ela é um diagnóstico clínico e depende da observação constante. No caso dos surtos se repetirem, e o diagnóstico ser esse, então a pessoa entrará em tratamento específico. Só o tempo, o tratamento e a evolução do quadro poderão confirmar a natureza de um surto e de sua possível origem.
De qualquer modo, estas pessoas que estão passando por esse momento de “surto”, são as pessoas menos indicadas a tomar a Ayahuasca. Isto ocorre porque a Ayahuasca é uma lente na sensibilidade, e então se a pessoa está vivendo uma ideação confusa, achando por exemplo que ela está sendo perseguida, ela se sentirá mais perseguida ainda, se ela estiver ouvindo vozes, irá ouvir mais vozes, e assim por diante. Conseqüentemente, ela pode colocar a sua própria vida e a de outras pessoas em risco, dependendo do grau do surto. Quanto mais grave o caso, pior é a interação com a Ayahuasca.

Léo: O desenvolvimento do surto decorre da predisposição destas pessoas?

Dr. Eliseu: Estes quadros podem advir de predisposição genética, assim como de um histórico de vida que lhes estimulou ao isolamento;podem ser pessoas que tiveram dificuldades profundas ao se relacionarem na vida. Na Ayahuasca, no entanto, alguém que nunca surtou pode ter um surto. Considerando que a experiência enteógena é muito profunda, o contato com o inconsciente, com a sensibilidade e com os sentimentos, uma pessoa que já estava nesse processo psicótico, mesmo que num grau tímido, pode ter um surto a partir da experiência da ingestão da bebida. Como ela poderia ter esse surto se perdesse um familiar, por exemplo. Qualquer experiência traumática ou forte pode dar início ao surto. A bebida expande a consciência e também a realidade daquela pessoa, e então ela apenas concretiza algo que já estava para acontecer.

Léo: A pessoa então já tinha a predisposição, e a Ayahuasca permite a emergência desse processo?

Dr. Eliseu: A Ayahuasca então acelera a emergência de um processo que emergente, desencadeia um processo que está a caminho de se realizar. Não é então a Ayahuasca em si que provoca o surto, e sim a predisposição da pessoa diante do seu próprio processo. É impossível prever diante de iniciantes, quem está apto a surtar, mesmo diante dos históricos. Então a indicação é observar com muito cuidado cada um, e se a pessoa apresenta estes sintomas, ela deve ser proibida de ingerir Ayahuasca, deve ser encaminhada para o tratamento psiquiátrico e só retornará a partir do momento que o médico responsável e o comando do ritual se comunicarem para acertar a conduta mais indicada para o caso. O acompanhamento médico é essencial, para que o caso permaneça controlado e o retorno da pessoa seja previsto, assim como a dosagem da bebida mais indicada e outros detalhes pertinentes a cada caso. Isto ocorre porque o surto psicótico, ou o princípio de esquizofrenia devem estar encerrados antes da pessoa ingerir a bebida novamente, e isto só ocorre com o uso de medicação e acompanhamento médico. A dosagem de Ayahuasca é muito pequena para quem retorna do surto e volta a tomar a bebida. O fato é que essas pessoas são muito sensíveis, e então não podem ser expostas a altas doses.
Já vi e acompanhei casos de esquizofrenia, e quando estão sob controle não há maiores problemas, mas a medicação de manutenção deve estar sendo tomada, e as doses da bebida diminuídas nos rituais. Assim eles vivenciam o ritual, a força da bebida e não entram em surto. A  Ayahuasca e a medicação não devem interagir a ponto de afetar a pessoa.

Léo: É possível perceber a diferença entre um surto psicótico ou esquizofrênico?

Dr Eliseu: Só o tempo dirá, a análise clínica confirmará o quadro.
Agora, é importante perceber que é difícil fazer com que a pessoa aceite tomar menos da bebida, e se tratar, isso é um ponto muito delicado. Há muitos casos em que a pessoa pode se retirar e buscar outros lugares, ou ainda não aceitar que deve se tratar e buscar apoio médico. No caso da paranóia, a pessoa realmente acredita que está sendo perseguida, e então não consegue absorver a informação toda. Então aqui reside o perigo de ingerir a bebida sem estar podendo: o paciente não perceberá que está alterado em função da sua doença. E seu quadro tende a piorar. São quadros raros, mas passíveis de acontecer. Vale também citar que poucas pessoas pretendem se tratar, quando o quadro é percebido. De 1% que chegam dentro destes quadros acima citados, menos do total concordam com seu tratamento. Tendem a chegar poucas pessoas assim, mas chegam. Como esses não se tratam de casos que a Ayahuasca ajuda, as próprias famílias percebem o desajuste em geral.

Léo: Deste 1% que chega, quantos aceitam tomar o remédio e realizar esse percurso proposto de tratamento?

Dr. Eliseu: Poucas pessoas. Na prática são poucas. A pessoa é geralmente muito dependente da família, e então acaba sendo pressionada.
Outra questão para se observar é o fato de que essas famílias, geralmente super envolvidas com o paciente, não compreendem o universo Ayahuasqueiro, e então isso acaba sendo outra complicação para se lidar. Basta pensar o quanto a família em si também participa do processo de doença dos pacientes… É muito profunda a relação entre paciente e seu histórico familiar.

Léo: Esses casos de surto geralmente tem antecedência familiar?

Dr. Eliseu: Questões genéticas são também influentes nestes casos de doenças psiquiátricas, e as famílias tendem a ser desorganizadas, desestruturadas; ou ainda existem casos de esquizofrenia na família. O quadro, entretanto, é psiquiátrico puramente, sem envolver o quadro neurológico, por exemplo.

Léo: O uso de lítio tem relação com um quadro neurológico ou psiquátrico?

Dr. Eliseu: O quadro bipolar é um quadro onde encontram-se dois pólos: o da depressão e o da euforia (antigamente chamada de mania). Quando o paciente encontra-se em uma crise de exaltação, um dos pólos comportamentais do bipolar, e quando o grau de ansiedade é grande, a semelhança com o surto psicótico é alta. Neste caso, a pessoa fica confusa, com delírios de grandeza, não dorme, permanece em vigília por horas seguidas, muito acelerada e fala muito rápido. Isto é chamado pela psiquiatria de “crise eufórica”. É complicado o uso de Ayawaska neste caso também, pois o estado geral da pessoa irá se intensificar nesta linha em que se encontra. É necessário que o paciente seja retirado da crise em que se encontra para estabilizar o seu humor, e poder então, eventualmente, repetir o uso da bebida. Nestes casos, a psiquiatria trata seus pacientes com estabilizadores de humor, e o Lítio é um deles. Estas medicações permitem com que o paciente não entre nestas crises bipolares tão freqüentemente, como diz o próprio nome, estabilizam o seu humor. O Lítio, por exemplo, não é um sal que existe no nosso corpo. Contudo, quando em contato com o corpo humano, oferece este equilíbrio na oscilação do humor, tanto para a depressão quanto para a euforia. O Lítio não é acusado no sangue de quem não o toma, logo, para o paciente que é tratado com este medicamento, exames de sangue rotineiros são feitos até que se atinja a dose ideal para aquele caso específico e estabilize o humor da pessoa. As pessoas costumam pensar que nós temos o Lítio no sangue, e isso não é verdadeiro. Somente pessoas que o ingerem acusam a sua presença. Ele é utilizado para corrigir o distúrbio da bipolaridade. A longo prazo, se a pessoa utilizar o medicamento por 20 ou 30 anos – que é a média de consumo deste químico, visto que a bipolaridade não tem cura – pode ser tóxico para os rins e a tiróide. O paciente que cessa a ingestão do estabilizador de humor, retorna as crises bipolares; logo, em geral, é mantido sob essa medicação por toda a vida. As crises são fortíssimas, e realmente impedem a pessoa de viver uma vida minimamente regrada e lúcida.

Léo: O lítio faz mal para a saúde?

Dr. Eliseu: O lítio não é necessariamente tóxico, mas há essa possibilidade.  A medicina já descobriu outras medicações que são utilizadas no lugar do Lítio, pois ele é eficaz, mas muito tóxico.
Na polaridade da depressão, se a pessoa não estiver demasiadamente deprimida, tomar a Ayahuasca irá beneficiá-la, pois esta bebida tem DMT, que é a substância precursora da serotonina, então na corrente sanguínea o efeito é positivo, e chega no cérebro quase como serotonina. É isso que promove o estado de consciência ampliado experimentado. Os anti-depressivos aumentam a serotonina no cérebro, exatamente o que a Ayahuasca promove. Existe uma gama grande de remédios anti-depressivos. Os mais utilizados atualmente, são aqueles que apresentam menos efeitos colaterais como sonolência por exemplo, ou ainda baixo grau de dependência química. Há vários, entre eles a fluoxetina, a sertralina, a paroxetina…

Léo: Quais antidepressivos não podem ser associados a bebida?

Dr. Eliseu: O único deles que não pode ser associado à ingestão de Ayahuasca é a fluoxetina. O conselho nestes casos é que a pessoa que utiliza este tipo de medicamento encerre o seu uso uma semana antes, literalmente. No mínimo três dias antes. Não há perigo, mas é uma precaução importante. Já houve casos de pessoas que ingeriram Ayahuasca tomando fluoxetina, e não aconteceu nada de grave. Pode haver interação em algum nível, mas seria um quadro onde a pessoa sentiria muita dor de cabeça, pode sofrer ânsia de vômito, pressão alta e enjôo. São casos raros, pois a dosagem de fluoxetina deveria ser muito alta para surgirem esses sintomas. Eu particularmente nunca vi nada assim acontecer.
Quando a pessoa está num quadro muito grave de depressão, ela pode se tornar psicótica. Assim como no quadro da euforia, a pessoa também pode entrar em surto psicótico. É um delírio ao contrário do citado anteriormente. Nesse caso a pessoa sente a sensação de ruína, de que está com o corpo morto, e sua depressão é tão intensa e negativa que ela se encontra num estado de depressão grave. E estas confusões aumentam a distorção da realidade. Se esta pessoa tomar a Ayahuasca neste estado, ela tende a se afundar neste estado. Se a depressão está em um grau mais ameno de depressão, ela se beneficiará da bebida pois o efeito anti-depressivo atuará; e paralelamente, vale lembrar que o contato com o divino, com a experiência mística, também lhe trará benefícios. Então, a Ayahuasca não é recomendada para casos extremos de depressão ou euforia.
De qualquer forma, quanto mais cedo a pessoa for orientada para buscar apoio médico, menor é seu sofrimento e mais simples será sua cura. Os prejuízos da sua vida serão menores, menor impacto para familiares e amigos também; no caso de grupos Ayahuasqueiros, menor se torna o risco para o grupo em termos de responsabilidade, e menor o risco para ela própria. O tratamento preventivo é o melhor, pois os casos no início representam menos complexidade para todos os envolvidos. Estes casos citados exigem muita sensibilidade no convívio, pois temos que considerar que a cura, da forma tal qual idealizamos, muitas vezes não ocorre nestas doenças, então o processo de tentativa e erro deve ser vivido com precaução. Então a busca de um equilíbrio verdadeiro é do paciente e de todos aqueles em volta dele. O conforto e o convívio são conquistas daqueles que estão envolvidos e do próprio paciente. O processo de cura é também facilitado pelo próprio uso dos medicamentos, assim a doença passa a ser controlada minimamente. Seguir uma única linha de tratamento também ajuda, pois a oscilação entre processos terapêuticos também atrapalha. O paciente muitas vezes se sabota através da sua falta de firmeza com o referencial terapêutico. É difícil o processo de aceitar que a doença está instaurada. Essa realidade causa na pessoa resistência ao trabalho do médico.

Léo: Quanto as pessoas que tentam muitas terapias, oscilam entre tratamentos, e seguem tomando o Daime, e  tem um diagnóstico bipolar por exemplo. Aí percebemos que a pessoa está ou muito elétrica ou muito deprimida. E esperar a cura da pessoa é uma ilusão, pois ela pode não se curar. Então o equilíbrio virá com o tempo? Seguir um único tratamento é muito importante, não?

Dr. Eliseu: Há pessoas que percebem, dentro de um grupo Ayahuasqueiro, que há gente com problemas psicológicos. Contudo, o grau de recepção da pessoa para receber um comentário é baixo, ela ainda não consegue ouvir. O fato é que dentro do quadro das dependências, a sua gravidade varia de alta a baixa. Em qualquer caso, há a questão da adesão ao tratamento. O doente deve ser convidado a cura. Eu trabalho no ambulatório do Hospital Paulista e nós atendemos dependentes de drogas apenas. O melhor jeito que encontramos para receber as pessoas foi através da criação de uma equipe de Acolhimento. Então todo dia esse acolhimento acontece as 11 da manhã, para todos os pacientes que vão chegando naquele período. Como sabemos que é difícil aderirem ao tratamento, damos muita importância pra esse grupo diário. Desta forma, se o paciente permanecer presente nestas reuniões, então está apto a passar por um atendimento individual. Assim se percebe o grau da intenção do paciente em se tratar; 90% dos pacientes faltam se convidados a iniciarem um tratamento individual pelos mais variados motivos. O investimento do paciente na sua cura é intransponível. A autocrítica e a consciência de que há um problema comportamental é essencial para que o processo terapêutico aconteça com sucesso. Do ponto de vista de um grupo Ayahuasqueiro,se uma pessoa não traz problemas ou dificuldades para o grupo, então ela deve ser respeitada dentro do seu processo. Claro que devemos seguir o bom senso, e se percebermos que ela está se destruindo ou passando por problemas, poderemos nos envolver. No caso de dependência de drogas, as pessoas têm uma boa transformação com a Ayahuasca. A recuperação destas pessoas é observada positivamente, a Ayahuasca é muito eficaz neste sentido; mas devemos lembrar que há casos muito graves dentro deste espectro. E num grupo chega de tudo, então a observação cuidadosa é a chave da história. Os casos muito graves serão dificultosos para qualquer âmbito terapêutico, mesmo o Ayahuasqueiro. Já observei um caso de uma pessoa dependente do craque, e mesmo no daime tinha muita dificuldade em firmar a sua cura. Não abria nenhuma possibilidade de qualquer ajuda. A pessoa se mantinha naquele ciclo repetitivo,a gente vê e sofre junto, observa a pessoa no ritual, mas aquele processo é o karma dela, a história dela.

Léo: Como proceder quando estas pessoas mantém uma relação constante com o centro que frequentam?

Dr. Eliseu: Quando estas pessoas mantém uma relação estreita com um centro espiritual, devem ser observadas e acompanhadas. A pessoa não causando nenhum problema para o grupo, ou ainda para a instituição, e mesmo assim sente-se envolvida da sua maneira com a congregação, vale observá-la e eventualmente oferecer apoio apropriado. Encaminhar a pessoa para um suporte além daquele dado pela Ayahuasca é interessante. A observação vai da atitude da pessoa até os seus hábitos  de dia a dia, e perceber também se há indícios do uso do crack. Casos de afastamento da droga, em função da Ayahuasca , por uma semana já são vistos como positivos.

Léo: Melhor do que a pessoa estar em um bar por aí bebendo e fazendo bobagem, certo?

Dr. Eliseu: O aspecto da redução de danos é positivo no uso da bebida. É claro que não é o que a gente gostaria de ver, nós desejamos a cura total para a pessoa, que é um percurso que outros percorrem em um grupo espiritualista. Podemos perceber a evolução de casos que observamos e a pessoa tem benefícios para si e diante dos outros, mas tem os casos que não são simples assim. Há de haver jogo de cintura para acompanhar a conduta da pessoa com o grupo , o grau de alteração que ela sofre e assim por diante. A pessoa prefere levar desta forma, mesmo já tendo sido oferecida tratamento específico, então deixa ela no seu ritmo.

Léo: Gostaria que você explicasse sobre este convênio entre o Céu Lua Cheia e o seu consultório de Cotia, e também sobre a importância do envolvimento do paciente com seu processo terapêutico.

Dr. Eliseu: O convênio pensado entre o Lua e o consultório de Cotia está relacionado com o valor que a pessoa deve dar ao seu tratamento, a busca da sua cura. Por mais que ela tenha dificuldade até de reconhecer que ela precisa visitar um médico, é importante estimular essa percepção nela. Deste movimento de associação que já temos experimentado, poderíamos fazer da seguinte forma: vocês me encaminham alguém que supostamente precise de ajuda, e então se ela não puder arcar com o tratamento no consultório, eu a atenderia através do serviço público de Cotia. Posso encaminhar ela pra lá. Desta forma, o paciente se responsabiliza pelo seu tratamento. Caso ela não tenha condições de pagar por isso, ao menos ela se dará ao trabalho de locomover-se até lá, e ver a sua possibilidade diante do tratamento. De qualquer forma, a gente não deixa de acolher a pessoa, mas isso depende do seu querer; não deixaríamos de atender os casos encaminhados por vocês também. E desta forma também evitamos de criar uma cultura paternalista entre a igreja e eu, caso não houvesse os gastos individuais da pessoa envolvidos no seu processo de cura. A pessoa deve perceber que o problema de fato é dela, e não da igreja. Ela foi parar no Daime, e é ótimo que lá temos essa consciência de poder apoiar, mas daí pra frente é com ela. Assim como está dito nos hinos, no daime ninguém convida e ninguém é obrigado… É da responsabilidade de cada um o que cada um vai ver no daime.

Léo: Então encaminhamos a pessoa para o seu consultório, e uma avaliação seria feita.

Dr. Eliseu: A avaliação envolve perceber se o caso necessita de acompanhamento, se há restrição na dose de daime ingerida nas sessões, e se há necessidade de interromper a bebida por um tempo.
Do ponto de vista doutrinário, eu penso que a igreja não deve alimentar um padrão na pessoa que não está correto. Então gostaria de saber como a igreja poderia fazer para monitorar casos assim; fora isso, há os casos que apresentam muitos altos e baixos, e percebemos esse processo na pessoa, mas não temos como por um limite. Então é delicado perceber que a pessoa não se dispõe ao confronto terapêutico, e a igreja acaba pondo isso no seu colo. E eu percebo que uma pessoa deve tomar certas decisões para fazer parte de uma igreja, e se propor a um processo de evolução.
Um caminho eficaz para trabalhar enquanto grupo, visando a evolução e o monitoramento dos casos, é  através de uma comissão, que irá sentar com a pessoa e avaliar com ela como está a sua caminhada. E de alguma forma sutil, tentar intimar ela a liderar esse acompanhamento de si própria. É necessário que a pessoa esteja reconhecendo, aceitando e acreditando que precisa de ajuda. Talvez esse “grupo de cura” da igreja, vamos chamar assim, possa apoiar a pessoa a ela se conscientizar da gravidade do seu problema, pois um dos mecanismos de defesa mais comuns é negar ou rejeitar o processo. É como se a pessoa soubesse, mas não soubesse de fato. O dependente grave nega que está doente, além de criar mecanismos de onipotência, onde acredita que tudo pode, e que tudo decide sozinho, mesmo que esteja estagnado há muitos anos. Isso é rico, até mesmo do ponto de vista espiritual da igreja, porque impede que ela fique como um encosto na corrente, pois a pessoa que está estagnada pesa para os demais. Traz os seus encostos pra corrente também, e não se doutrina nunca. E nunca esquecermos da necessidade do distanciamento, pois por mais que amemos alguém, ou nos preocupemos, é impossível combater questões cármicas, ou ainda uma situação intransferível da pessoa. O próprio quadro bipolar por exemplo, as vezes é necessário tomar remédio a vida inteira, mas quando ela  manifestou a doença, o processo já vinha acontecendo. Tem muito com baixa auto-estima e sensação de inferioridade. Se pensarmos numa família com pai e mãe alcoólatras, um irmão esquizofrênico, é normal uma pessoa crescer com distúrbios de referência afetiva. Então a pessoa cresce com vários buracos afetivos, complexos grandes e de inferioridade também, e chega um momento em que isto tudo emerge, e desemboca em cadeia. A manifestação do seu inconsciente emerge. E a manifestação é distorcida, não é harmoniosa ou saudável… Então, por mais que a pessoa vá se curando no daime, ela tem muitas vezes questões tão profundas que só com o chá levará muito tempo pra resolver. E a alteração neuroquímica que dispara um quadro bipolar, por exemplo, nem sempre será fácil de controlar ou ainda ter a pretensão de achar que a pessoa não necessitará de remédio para curar-se. Como alguém que toma remédios anti-hipertensivos há trinta anos, por exemplo, e chega num centro O quadro melhora muito, mas a medicação já está fazendo parte da pessoa, então ela mantém uma medicação de base. É uma questão atômica,  já  há alteração a tanto tempo que a mudança não é rápida.

Léo: A pessoa então se tratando, tomando remédio e Ayahuasca e, qual a possibilidade dela continuar sua vida normalmente, pois percebo que uma coisa é identificar o quadro em que a pessoa se encontra, e outra é poder acompanhar na prática a evolução desta pessoa na sua vida. O que tem acontecido na prática é  a formação de grupos de cura em torno da pessoa, os amigos mais próximos por exemplo, e algumas pessoas da diretoria.

Dr. Eliseu: Quanto ao acompanhamento das vidas dessas pessoas fora do centro, a experimentação e o contato entre nós é o melhor caminho. Há a preocupação com as vidas destas pessoas, e de como estão se saindo no dia a dia. Aí o grupo de cura pode também atuar, mantendo a igreja informada de quaisquer alterações. Seria interessante pensar em registrar esses processos.
Ao se perceber que alguma pessoa necessita de mais apoio além daquele prestado na igreja, o caminho é a comunicação, poder estar acompanhando e alertando essa pessoa diante do seu processo.
Casos em que a pessoa esteja patinando muito, e não esteja conseguindo mesmo uma melhora, e está ficando cada vez mais confusa, é necessário fechar a casa para ela. Isso não é para sempre, mesmo um caso grave de esquizofrenia por exemplo, a pessoa irá retornar eventualmente.

Léo: Como uma igreja ou centro pode trabalhar preventivamente diante desses quadros?

Dr. Eliseu: Em nível preventivo, a igreja pode, ao perceber qualquer alteração, tomar a iniciativa da comunicação. No quadro bipolar, observar alterações de engrandecimento, de aceleração, já diminuir a Ayahuasca e encaminhar a pessoa. No caso de algum surto, que seria confusão, paranóia, escuta de vozes, a pessoa se torna esquisita, mesmo na anamnese, já se pode encaminhar o caso para estudo específico.

Léo: Há alguma pergunta chave que possamos aplicar na anamnese para facilitar a identificação de casos assim?

Dr. Eliseu: É interessante perguntar, na anamnese, a questão da paranóia, se a pessoa já se sentiu ameaçada, se ela já se sentiu perseguida.

Léo: Até onde ouvir vozes é um sintoma esquizofrênico e até onde é um dom mediúnico?

Dr. Eliseu: Quando ouvir vozes é um dom mediúnico, aquilo está dentro do trabalho da pessoa, e na maior parte das vezes ela tem consciência de que isto é uma faculdade sua, vem junto com sua miração inclusive. Agora, a pessoa que está alucinando está num quadro de confusão tão complexo, sem falar coisa com coisa, e isto é diferente da pessoa estar em êxtase recebendo orientação da própria força. Então o quadro de cada caso é muito distinto, há de se analisar o estado geral da pessoa. Perceber se a pessoa está esquisita é interessante, pois é inconfundível. Observar o olhar vidrado, alguma característica incomum, ou outro sinal qualquer de que ela está entrando em surto. Esta pessoa deve ser encaminhada assim que possível.

Léo: Penso que podem haver casos de dependentes enrustidos, pessoas que não declaram suas verdades na anamnese e na hora do ritual deixam aflorar as suas questões. Como poderíamos identificar isso?

Dr. Eliseu: No caso de uma pessoa que não cita sua dependência, mas que está em processo de cura, se ela não der nenhuma alteração, não há problemas; se ela apresentar alterações, então o procedimento já foi descrito.

Léo: E quando detectamos que a pessoa é dependente de crack,que um dos piores,  há uma forma da igreja fazer algum tipo de acordo com a pessoa, ou ainda trabalhar a questão considerando os limites da igreja diante da situação?

Dr. Eliseu: Nos casos de dependência de crack, o grupo de cura tentaria dar uma assistência para a pessoa. Essa força que o grupo dará para dependentes de álcool, crack ou cocaína, será focada em estimular consciência, apoiar e minimizar o problema. Quando a pessoa está nesse padrão repetitivo, muitas vezes pensamos que a pessoa está num padrão de má vontade para consigo própria e com os outros – não que isso não exista…- mas temos que sempre observar isso como uma doença compulsiva, e aquilo é de fato um grande sofrimento para a pessoa, pois apesar de ela saber que não deve mais fazer aquilo, independente da guerra interna que ela está vivendo, o lado do vício ainda vence. O grupo então pode tentar apoiar, reforçar a boa conduta, mas deve sempre ter muito cuidado para lidar com aquilo sem cobrança, pois se trata de uma doença, e o seu sofrimento de estar atuando contra si mesmo é muito grande. A sua manipulação de se prejudicar e recair contra si mesmo, e causar este sofrimento aos amigos e familiares também, configuram o quadro maior da doença. Há tempos atrás, quando a medicina não havia caminhado neste sentido, estas pessoas viciadas eram vistas como “sem-vergonhas”; a gente pode sempre cair nesse erro. Pode haver uma reação do tipo: então se ele não parar de usar, vamos cortar o seu Daime. Isso, ao meu ver, seria um erro, pois mesmo que ele ainda não tenha se curado do seu vício, ele está utilizando o Daime como remédio. E como temos esperança, devemos aguardar, pois a porta de saída que a Ayahuasca representa, pode vir a funcionar. Falta maturidade, força e determinação no paciente, muitas vezes, para a pessoa dar essa virada na sua vida, acordar e firmar a sua cura. A questão do fardamento nesses casos é delicada mesmo, pois um viciado ainda não está no grau da sua cura; mas no caso do grupo de cura ganhar força, pode-se acompanhar o projeto terapêutico daquela pessoa de tempos em tempos, e perceber então o que ela tem feito além do daime para sua evolução. Esse acompanhamento seria uma das coisas que se faz em direção a cura. Isso tira o grupo da passividade, da  conivência de estar observando um irmão doente sem tomar uma atitude, e ter a sensação de que está tocando o barco pra frente. Essa preocupação de apoio é legal, mas tem um limite, então arrastar a pessoa também não adianta. Conhecer a pessoa é essencial, entender seu processo e perceber seu perfil. Isso é interessante para o grupo como um todo. Do ponto de vista preventivo, conhecer  as pessoas que chegam também é o melhor caminho.
A postura da igreja diante disso vai depender da natureza do seu comando. É uma questão paradoxal: as pessoas que buscam o Daime ou Ayahuasca estão buscando o auto-conhecimento; alguém que busca uma terapia, também está buscando o auto-conhecimento. Alguns exemplos seriam das pessoas que eram dependentes graves, e se recuperaram da dependência com o Daime, mas aquilo que as levaram  a criar a dependência, era um fator emocional grave e profundo – a dependência é apenas a expressão de algo mais sério, a ponta do iceberg que veio a tona. Então, com o Daime ou Ayahuasca a pessoa consegue, muitas vezes, parar de usar o que ela estava usando. Contudo, a pessoa apesar de estar curada, apresenta ainda as características de comportamento que alimentavam a dependência que vivia. A pessoa cria um mecanismo de defesa e pensa, “agora estou curada, então minha cura já veio e eu estou tranquilo”. Só que a cura nunca se fecha, se acaba, fica sempre na construção da cura.
Então, através de mecanismos mentais e barreiras psicológicas de defesa que criamos, mesmo o efeito terapêutico da própria Ayahuasca pode ser barrado. A defesa onipotente de ter uma solução mágica para o próprio problema, ou ainda ignorar o toque dos outros em função de um insight próprio, é a fuga para não aceitar mais ajuda, e também estabelece uma relação direta com a Ayahuasca, onde não pode haver interferências humanas.

Léo: Já ouvi pessoas dizendo, que não vão se curar com remédio e sim com Ayahuasca, fazendo trabalhos de cura sozinhos. Isso já é uma fala defensiva ?

Dr. Eliseu: Exatamente.

Léo: Então a questão da vinda de um novato, por exemplo, pode estar vinculada a sua consciência diante do próprio problema, ao grau de apoio familiar que existe, e ainda ao grupo de amigos existentes na igreja? E esse grupo de cura que consta no Decreto do Mestre vai existir para dar esse apoio. Estas são questões extremamente delicadas, e que tem haver com a direção e comando dos trabalhos, e a natureza da casa em receber pessoas.

Dr. Eliseu: É interessante fomentar estas discussões, para que a filosofia de cada igreja ou centro possa ser sofisticada de acordo com as suas vivências.

Léo: Como o consumo de crack ou outras drogasse usado antes do trabalho pode afetar a pessoa?

Dr. Eliseu: O consumo de crack ou cocaína, momentos antes de tomar  Ayahuasca afetará a pessoa, pois ela pode ficar paranóica, agressiva. Normalmente, o dependente não fará isso, pois ele receberá uma ‘chinelada’ triplicada no trabalho. O efeito do crack não é longo, mas se a pessoa usa muita pedra ela pode ficar paranóica por um período maior de tempo. Em um quadro agudo, a Ayahuasca amplificaria o mau estar da pessoa. Na prática, entretanto, não é costumeiro vermos isso, pois a pessoa teme o que poderá acontecer.

Léo: Então a única medicação que não pode ser associada a bebida é a fluoxetina?

Dr. Eliseu: A fluoxetina exatamente, e deve ser evitada três dias, idealmente 7; e os outros anti-depressivos não tem restrição na quantidade de Ayahuasca servida.

Léo: Então qualquer antidepressivo que não contenha fluoxetina pode ser ingerido?

Dr. Eliseu: Isso, tranquilamente. Na prática já vimos e não há problema nenhum.

Léo: A observação de irmãos e irmãs na corrente é o melhor caminho para se perceber esses tipos de alterações do comportamento?

Dr. Eliseu: Tipos esquisitos e isolados devem ser observados. Uma pessoa em estado grave de psicose ou surto, conclui que estão contra ele, ou ainda que está sendo perseguido, e ataca de volta para se defender. O episódio de um cara que matou 5 pessoas no cinema no shopping morumbi há um tempo atrás, estava num surto psicótico, com muita paranóia.
A pessoa que está muito surtada precisa de acompanhamento 24 horas. Está totalmente fora de si. Não tem consciência de nada. Espiritualmente esta pessoa é como uma televisão que não pára em canal nenhum, ou ainda pára em qualquer canal.

Léo: Qual o parâmetro para a internação clínica?

Dr. Eliseu: O parâmetro para internação é a gravidade do quadro. Quando o paciente está ouvindo pouco os outros, e se tornando cada vez mais incontrolável, chega num ponto em que a pessoa perde o chão, e então a internação é uma medida de segurança para a pessoa, para os outros; ou ainda em casos em que a pessoa está sem crítica, e não consegue sequer tomar a medicação por conta própria.
O surto é uma coisa positiva, não é fácil ver isso pois é uma coisa muito dura e talvez até feia, dolorosa e traumática para quem está passando por ele, e para os que estão por perto; mas ele é uma catarse. É o começo de uma cura, um mergulho no inconsciente, o início de um processo latente que estava lá e ninguém via. Só que como ela vai sair desse mergulho é que  é a história, ela pode sair ou não sair.  E sempre é a manifestação de algo profundo que estava latente, mas que ninguém via.
No caso dos dependentes, a internação tem outros critérios. A quantidade de recaídas, se a pessoa está usando sem critérios a droga e pode estar correndo o risco de convulsão, ou de ter alguma idéia suicida, ou ainda quando a pessoa não consegue se recuperar.
Então quando o dependente cria algo tão repetitivo e rotineiro, só uma internação pode tirá-lo daquilo. Para ela tentar sair desta rotina, só retirando-a do seu dia a dia.

Léo: Existem bons lugares que  internariam pessoas com baixo poder aquisitivo?

Dr. Eliseu: Há lugares onde é possível conseguir a internação de graça inclusive, mas o paciente deve estar envolvido com o seu processo. Não é fácil conseguir, mas é possível.  É essencial a pessoa desejar sua cura verdadeiramente, inclusive há locais de internação onde a triagem inicial é extremamente rígida, para que chequem o grau de envolvimento do paciente com sua cura. Tem um lugar em Campinas, uma comunidade do padre Aroldo, onde a pessoa para entrar passa por três entrevistas mais ou menos, isso é porque a triagem deseja prever se o paciente está realmente envolvido. O tempo é muito importante para percebermos o grau de evolução do dependente em relação a sua cura. Outra pessoa pode ter uma cura em menos tempo, mas isso varia muito de acordo com a gravidade emocional de cada caso. Só a observação é que traz a resposta de como cada cidadão reage com a cura.

Léo: Na nossa corrente mesmo há muitos irmãos que chegaram que já usaram cocaína e crack  e saíram fora, se desvincularam da droga. Muitos casos de cura total. Uma vitória para todos nós. Aliás, há alguma distinção entre a dependência de cocaína e crack?

Dr. Eliseu: O crack é mais destrutivo que a cocaína. As lesões que ele traz são profundas. Raciocínio fino, rapidez de pensamento, capacidade de abstração, as questões mais finas da inteligência são comprometidas, e geralmente são irreversíveis. A compulsão gerada pelo craque é absurda, em relação a cocaína, e também esta compulsão se torna muito poderosa em pouco tempo de uso. A cocaína geralmente se torna compulsiva para o usuário depois de um tempo maior de uso. Vale lembrar que o craque é mais barato, e de maior acesso, então muitas vezes o usuário grave de cocaína pode partir para o seu uso por não encontrar a sua droga. De qualquer modo, a compulsão e a autodestruição são mais comuns no usuário de craque. A pessoa no crack entra em compulsões que duram dias, então isso é muito sério, e o tempo que a pessoa se envolve com o vício é bem maior.

Léo: Qual o índice de cura do lugar onde você trabalha?

Dr. Eliseu: Uns 60%. É baixo relativamente, comparado a outras doenças.

Léo: E o Santo Daime, você diria que tem qual porcentagem de cura na sua percepção?

Dr. Eliseu: Eu acho que é mais, mas é difícil de avaliar pois muita gente não volta, e na realidade deveria ser feito um acompanhamento para obter uma resposta pontual.

Léo: E a epilepsia? E a associação do Gardenal com Ayahuasca?

Dr. Eliseu: Com relação a epilepsia, a Ayahuasca ou Daime faz bem. Não há interação entre a medicação e a Ayahuasca inclusive. Foi feito um estudo no Rio de Janeiro em que fizeram o eletroencefalograma de pessoas durante um ritual, e as ondas elétricas estavam estáveis e bem tranquilas; pressupõe-se que o Daime promove esse estado, de pouca tensão e mais estabilidade. O Daime então ajudaria até a conter uma crise epiléptica. O Daime também repõe a serotonina que uma pessoa reporia durante o sono, então apesar de não ser bom para o epiléptico não dormir, o daime de qualquer forma faz o serviço de repor este químico! Por isso é comum estarmos bem no outro dia do Daime, pois ele repõe a serotonina.

Léo: O problema para o epiléptico é ficar a noite inteira sem dormir, não é mesmo?

Dr. Eliseu: É verdade, mas o dano não é tão sério.

Léo: O sono de qualquer forma parece ser diferente após o Daime, menos pesado…

Dr. Eliseu: Correto, é outro tipo de sono, pela produção da serotonina durante o trabalho.

Léo: Uma última questão sobre o impulso que percebemos nos dependentes químicos em relação a atividades variadas, como funciona isso?

Dr. Eliseu: O dependente se empolga em geral com atividades, mas depois dá pra trás. Esta é a dinâmica deles, como se fosse uma característica bipolar, se empolga e não leva a frente a proposta. Então começar e não terminar coisas é comum entre dependentes. Tem haver também com onipotência e impotência, durante o efeito da droga, a pessoa fica poderosa e depois não consegue segurar nada; como se fosse o quadro bipolar quimicamente induzido.

Léo: Muito Obrigado! Fique com Deus Dr.

Dr. Eliseu: Eu é que agradeço todos vocês do Céu da Lua Cheia.

fonte:
http://www.xamanismo.com.br/

Estado Vegetativo Ayahuasca

Estado Vegetativo Ayahuasca

por: Arthur “Planta” Veríssimo

 

Isolado durante uma semana em uma palafita mágica no coração do Peru, nosso repórter experimental sintoniza através da Ayahuasca uma misteriosa conexão entre a Amazônia e a Índia.

Dez anos atrás, me embrenhei na alta floresta amazônica peruana, no Estado de San Martín, para conhecer a sede do Centro de Reabilitação de Toxicômanos e de Pesquisa de Medicina Tradicional, conhecido como Takiwasi. Na época, fui muito bem recebido pelo fundador, o médico e curandeiro francês Jacques Mabit. Tive a chance de ficar alguns dias. O trabalho efetuado no local mescla o saber milenar da cura com as plantas a modernas pesquisas científicas. Participei de algumas experiências e fiquei instigado a realizar o tratamento mais eficaz e profundo, chamado de “dieta”.

A idéia é ficar de seis dias até meses em completo isolamento na floresta. Quem se habilita? O cidadão passa por uma supervisão com o xamã, que o orienta a tomar doses diárias de uma determinada planta de poder (mágica). O paciente isola-se em um “tambo”, espécie de cabana em que há um kit exíguo de objetos pessoais. Sabão, pasta de dentes, TV, computador, perfumes, edredom, doces e igua­rias nem pensar. Isolado mesmo. Óbvio que tudo supervisionado pelo xamã e seus assistentes, que diariamente levam à cabana a comidinha sem sal nem açúcar de cada dia.

Durante uma década o Takiwasi reverberou na minha claudicante memória. No início de 2007, o amigo e médico Ichiro Takahashi, no universo xamanista há anos, me contou de um centro próximo à cidade de Pucallpa onde o enigmático curandeiro Juan Flores desenvolve o trabalho da dieta enfiado dentro de um vulcão em pleno coração da floresta. Era o chamado da selva. Tracei um plano para afinal passar por essa experiência. Um verdadeiro rito de passagem, bem longe da cultura materialista e pasteurizada que domina nossas vidas como uma gosma pegajosa. Acertei as datas e me lancei em busca da pedra filosofal.

Totens de fumaça

Ichiro já conhecia o maestro Juan Flores de outras dietas. Quando entramos na sede de Mayantuyaku, descansamos nossos corpos embalando em redes instaladas na oca principal. Cenário indescritível, ambiente acolhedor: labaredas de vapor espalham-se por toda a cercania, onde a água borbulha a 100 graus – águas termais nas entranhas da selva, exuberantes totens de fumaça chacoalhavam as árvores de mais de 20 metros… estávamos literalmente dentro de um vulcão encantado na floresta amazônica. Os olhos tridimensionais de meu compadre Ichiro me guiavam, enquanto Juan Flores caminhava solenemente ao largo pelo rio. Vestindo os trajes da tradição indígena, o xamã Asháninka se aproximou e nos deu boas-vindas com reverência.

Suavemente, Juan Flores nos orientou sobre nossa dieta. Há centenas de plantas de poder que o xamã conhece. Nos trabalhos são utilizadas frutas, flores, raízes e cascas de árvores. Com seu olhar penetrante, ele nos destinou a dieta da sagrada árvore ayauma, mais conhecida como sala tree. Em quéchua, ayauma significa o Espírito Sem Cabeça. Em jejum pela manhã, tomaríamos uma dose da infusão da casca da árvore, depois outra dose na parte da tarde. Essa árvore cresce próxima a locais onde há água abundante. Do tamanho de um coco, a fruta também é conhecida como cannonball tree (bala de canhão), e seu nome científico é Couropita guianensis; alcança 20 metros de altura. Nativa na floresta amazônica, Malásia, Sri Lanka, Índia e Nepal, a tradição diz que tem o poder de cura e de feitiçaria. Mais tarde atentei a um detalhe muito especial sobre essa planta… acompanhe.

Segundo o xamã, a ordem é permanecer em completa abstinência sexual de 15 a 30 dias depois da dieta, cuja função é limpar profundamente o organismo de substâncias nocivas e entorpecentes, além de estimular visões e dedicar espaço, sem tempo preestabelecido ou preocupações, para introspecção e retomada de contato direto com as forças da natureza. Nossa primeira tarefa em Mayantuyaku seria relaxar e preparar o corpo para a manhã seguinte.

Logo cedo, o assistente do curandeiro nos ofereceu um copo do sumo da yawar panga, uma planta emética (que provoca vômitos) e catártica: a idéia é ativar os centros energéticos. Uma lenta tortura se operou nas minhas entranhas: enquanto ia colocando uma imensidão de impurezas para fora e desbloqueando violentamente meu metabolismo, ectoplasmas borbulhavam pelo ambiente. Então, perdi por completo o controle do que aconteceu com meu aparelho e caí em absoluto abandono. Assumo hoje que não sabia com o que lidava… Depois de algumas horas, renasci pleno de energia, já preparado para me isolar na floresta.

O tempo escorria lentamente. Percorria a beirada do rio onde imensas labaredas de vapor exalavam das águas termais. Os mosquitos, os pássaros e o vento uivando me lançavam em uma transmutação cinematográfica em que se misturavam Apocalipse Now e Predador. À medida que subíamos o rio, a água ficava mais fresca. Quarenta minutos depois, encontrei minha futura casa encaixada no morro onde deveria me encafuar por seis dias. Ali a água estava deliciosamente fria. Ichiro instalou-se na outra extremidade, em um tambo similar, a 100 metros de distância. Um pássaro emitiu um guincho fortíssimo, e de repente me senti observado por todos os lados. Sim, era um intruso ali. Minha morada era uma palafita aberta, sustentada sobre quatro paus, encimada por um te­lhado de palha seca, com um piso de cascas de árvores comprimidas. Tudo muito rústico: a única sofisticação era um colchão fino com lençol e um mosquiteiro amarelo.

Isolamento

Entrei no útero do mosquiteiro por volta das seis da tarde. Me sentia em alerta geral. Levei uma pequena biblioteca, um caderno de anotações, canetas e lanternas. No primeiro dia permaneci madrugada adentro lendo e fazendo miríades de notas. Segui criteriosamente a dieta prescrita por Juan Flores. A força da beberagem da ayauma incandescia meu espírito e hiperventilava minha consciência… Medinhos e pensamentos turbulentos se dissipavam… Gradualmente ia me adaptando à natureza… Sentia insetos, mosquitos, aranhas e formigas devorando docemente meu corpo… Mas, com o corte abrupto do sal e do açúcar da comida diária, meu cheiro e suor adocicado diminuíram. Os primeiros finais de tarde foram um deus-nos-acuda: falanges de pernilongos grudavam em minhas roupas, cabelo e pescoço – todo o resto estava coberto por roupas e uma grossa camada de repelente. Dentro do útero amarelo, milhares de partículas entravam e saíam do mosquiteiro. O coaxar dos sapos dominava o final da tarde. Escutei um estranho rugido no anoitecer do terceiro dia. Fiquei miudinho, antenado com minhas lanternas.

Era um contínuo aprendizado de meditação e observação. Nada era artificial, não havia TV, internet, cinema, restaurante, balada. Mas era difícil dormir na floresta. Tinha coceiras do couro capilar às cutículas dos dedos. Aproveitava para meditar… Senti-me conduzido para fora da placenta do mosquiteiro cor de laranja, onde tudo era verde, marrom, roxo… Admirava o brilho diáfano azulado-ouro das imensas borboletas, flutuava na meditação por todo o vale vulcânico, observava a ação dos madeireiros e da extração de petróleo… Eu era fora e dentro. Voava e penetrava em universos desconhecidos… Visitei o mundo subaquático onde o grande mestre Sumirana me recebeu com Yakumama (o espírito da serpente de água) e um farnel de especiarias. Muraya, o curandeiro, foi o anfitrião em minha descida ao sinistro mundo infraterreno. Voltei à terra sentindo o intenso odor dos sedimentos da floresta. Abri os olhos e súbito minha consciência notou o tagarelar incessante das reclamações da minha mente estimulada pela instabilidade do meu ego. Imerso no oceano verde, deixei fluir… o bla-bla-blá mental se dissolvia e um néctar se derramava pelas copas das árvores.

Esse estado místico faz parte do dia-a-dia selvagem… vacilou, você pode cair num abismo, ser pi­cado por uma cobra ou virar banquete de insetos… eu literalmente desencanei de voltar à cidade… Pratiquei yoga asthanga, pranayanas, caminhadas… quando vi, já estava no quinto dia de isolamento. Por todos os lados encontrava pistas para o meu florescimento que os espíritos tutelares e a sagrada natureza colocavam com sinais, sombras, cantos, movimentos e ruídos. As múltiplas formas da selva penetravam minha consciência, revelando uma lógica desconhecida. Confusas impressões da minha existência na Babilônia transformaram-se em adubo. Captava o sabor das plantas, o perfume das flores, o frescor e calor das águas. Era como se toda a vida da floresta circulasse pelas minhas tripas.

Questionava-me. Qual a finalidade? Por que vim parar aqui? Reportagem? Experiência vital? As dúvidas pululavam por todos os poros enquanto eu vivia intensamente o cotidiano dos indígenas, suportando todas as condições contraditórias da vida urbana e seus comodismos ainda entranhados em mim. Para superar tédio, preguiça e outros males contemporâneos, observava que não era a alma que sofria de ócio, e sim a maldita mente entorpecida de egos carcomidos que haviam sido implantados dentro de mim pela sociedade. Arranquei as máscaras, viseiras, fantasias e identidades postiças que impregnavam minha essência. A maior dificuldade que tinha de superar na floresta não era o aborrecimento de me sentir mal, e sim de me sentir culpado por não fazer nada.

Os habitantes da selva não se inquietam no ócio. A floresta nos faz entender que nada do que é vomitado pelos veículos de comunicação é indispensável, pois os totens culturais estão a milhares de quilômetros. A vidinha que gira em torno da moda, do último restaurante, de vernissages e salões de beleza não tem nenhum valor ali. A floresta ensina que expectativas de sucesso, imortalidade e grana são ilusões. Depois de seis dias em estado de planta, estava pronto para a grande experiência de tomar a ayahuasca.

Um drinque no paraíso

De volta para a sede de Mayantuyaku, aguardei o dia inteiro em silêncio. O ritual seria realizado às nove da noite. As plantas são divididas em três categorias: purgativas (yawar panga, tabaco), curativas (mucura, unha-de-gato) e mestras (ayahuasca, ayahuma, toe, chiric sanango, wairacaspi lupuna, bobinzana etc.). A ayahuasca (Banisteriopsis caapi) é um cipó que os médicos vegetalistas definem como a planta mestra por excelência. Combinada com a chacrona (Psychotria viridis), compõe o supra-sumo que é a ayahuasca.

O xamã caminhava pela penumbra, aproximou-se e sentou-se ao meu lado. Sua silhueta emitia concentração e compaixão. Iniciou o ritual “soplando” seus objetos de poder e a ayahuasca. O ato de soplar é uma prática estranha: o curandeiro sorve tragadas fortes do tabaco (carpacho) da floresta e emite fumaçadas com seus ícaros (cantos sagrados) cerimoniais. O propósito da soplada é limpar o ambiente dos espíritos nefastos e fortalecer a concentração chamando ao trabalho os espíritos tutelares, consagrando a ayahuasca e invocando a proteção dos deuses e animais que ali transitam. Recebi o copo com a substância e percebi no breu que o líquido tem a cor e até a espuma de uma xícara de café. Ao primeiro gole, senti o gosto profundamente amargo do líquido, uma mistura de material vegetal fermentado.

O tempo passava… Ichiro, Juan Flores e seus assistentes equilibravam a sessão cantando e tocando pequenos instrumentos… depois de uma hora, a planta começou a dialogar e ensinar. Alguns vomitavam… Fui ficando mais quieto, relaxado, completamente envolvido com a música, um canto penetrante cujo volume foi crescendo… Juan Flores balançava um feixe de ga­lhos com folhas, criando vibrações de forças invisíveis. O rugido do vômito dos participantes combinado a lamentos, espasmos estomacais e gemidos ganhava uma bizarra qualidade musical… Para os recheados de toxinas ou doentes, o processo é desagradável, prolongado. A Planta prolonga o sofrimento de alguns, obrigando-os a tomar consciência da sua situação. Finalmente saí do processo de purgação e fui arrastado a mirações de sabedoria…

Percebi os espíritos da floresta, viajei do mundo subatômico ao macrocosmo… Conectei o guardião da planta ayauma, o rei dos espíritos da selva, o eminente Sumiruna, e sob a forma de uma imensa anaconda ouvi seu silvo, limpando como um tsunami meu corpo e meu espírito… Juan Flores se aproximou me ofertando um copo de água fresca. Mais de sete horas de viagens fascinantes depois, a onda energética dissipava-se… Depois dessa fortíssima experiência, refleti que podemos escolher explorar essas dimensões estranhas ou esperar que a destruição da Terra torne irrelevante qualquer pesquisa: ou nos distanciamos ou buscamos a essência.

Voltando a São Paulo, mergulhei em uma pesquisa profunda via internet e descobri que a poderosa ayauma (sala tree), além de árvore tradicional no universo xamânico amazônico, é planta sagrada no Nepal, terra de Sidharta Gautama, o Buda. Nos textos budistas, a árvore é mencionada por sua clarividência. Em um antigo livro de gravuras narrando a vida de Buda vi uma imagem do pequeno príncipe Sidharta com sua mãe, Mahamaya, caminhando sobre flores no jardim do palácio de Lumbini: precisamente as flores da ayauma. Amazônia, Índia… tudo está conectado.

Ayahuasca visions

No calor infernal da extremamente úmida Pucallpa as pistas dessa conexão já eram traçadas antes mesmo de eu me embrenhar na floresta. O Estado de Ucayali é colado ao Acre, bem perto de Xapuri, cidade onde minha adorável mãe nasceu. Volta às minhas origens e essência no DNA da floresta.
Durante os dois longos dias flanei pela cidade e, com Ichiro, aproveitei para fazer uma visita ao fascinante pintor Pablo Amaringo. Seus quadros são a quintessência das visões provocadas pela ayahuasca e suas experiências como xamã. O traba­lho de Amaringo é conhecido mundialmente pelos connaisseurs da contracultura. Século passado, o etnobotânico e guru psicodélico Terence McKenna, seu irmão Denis e o antropólogo Luis Eduardo Luna divulgaram a obra de Amaringo.

A casa do mestre Amaringo fica ao lado da escola de pintura Usko Ayar, onde Pablo ministra aulas para crianças e adultos. Conversamos horas sobre o universo vegetalista e ganhei o estonteante livro Ayahuasca Visions, em que Amaringo e Luna esclarecem os mistérios das pinturas visionárias.

Naqueles dias pré-isolamento, as pinturas se misturaram à minha ansiedade. Plantas mágicas, dieta, isolamento, criaturas da floresta e do mundo subaquático permeavam sonhos inexplicáveis cheios de insetos, dieta, feitiçaria, serpentes e animais obscuros, e encharcava os lençóis com um suor verde, esquisito.

A conexão com as plantas da floresta é reveladora. Tira máscaras, deixa as águas menos turvas, traz à realidade. Hoje todo mundo quer participar de algum curso acelerado de esoterismo, yoga, magia e filosofia, esperando que o guru forneça atalhos para o graal da sabedoria. A pasteurizada civilização moderna nos obriga a virar uma engrenagem minúscula desse grande corpo materialista, senão o castelinho de areia desmorona. Na maioria das vezes as enfermidades só aparecem para a gente reconhecer que nossa vitalidade não é o que aparenta. Com as plantas, aprendemos: o ideal é sentir-se bem em qualquer lugar…

fonte: Revista Trip
A revista ao que parece retirou o artigo de seu site, o link antigo é este:
http://revistatrip.uol.com.br//159/arthur/home.htm