> budismo » Universo Místico
loader image
O lago de lótus

O lago de lótus

por: Thich Nhat Hanh

Em Plum Village onde vivemos na França, há um lindo lago de lótus. Talvez um dia você venha a Plum Village é possa vê-lo. No verão, o lago é coberto por centenas de lindas flores de lótus que floresceram. O que é surpreendente é que todas as plantas de lótus vieram de uma semente minúscula. Eu te direi como crescer um lago de lótus.

As sementes de lótus têm que ser plantadas no solo. Elas não crescem bem no solo seco. Mas há um truque para plantar essas sementes. Se você apenas plantar as sementes na lama, ela não irá brotar, mesmo se você esperar três semanas, cinco semanas ou dez semanas. Mas ela não irá morrer também. Há sementes com mais de mil anos que quando foram plantadas propriamente cresceram em plantas de lótus.

A semente de lótus não brota se você apenas colocá-la na lama porque ela precisa de alguma ajuda. A semente de lótus é um caroço com uma pele muito dura a cobrindo. De forma a brotar, a água precisa penetrar na semente de lótus através da pele dura. Este é o truque. Você precisa fazer um pequeno buraco na semente de forma que a água possa entrar.

Você pode furar a pele exterior a cortando com uma faca ou esfregando-a contra uma pedra. Isto dará à água a chance de penetrar na semente. Agora se você colocá-la na água ou na lama, em cerca de quatro ou cinco dias a pequena semente brotará e se tornará uma minúscula planta de lótus.

Primeiramente poucas folhas de lótus aparecerão. Logo elas irão crescer. Você pode manter uma pequena planta de lótus no seu jardim durante a primavera, verão ou outono. Mas quando estiver frio, você tem que trazê-la pára dentro, onde ela continuará a crescer.

Na primavera, pode levá-la para fora novamente e coloca-la em um vaso maior, e a planta de lótus irá crescer ainda mais. Em um ano você terá algumas flores de lótus, e em três anos você terá um lago de lótus tão grande quanto o de Plum Village.

Portanto você vê que um enorme lago de lótus verdadeiramente está contido dentro de uma minúscula semente. Esta semente minúscula contém todos os ancestrais da planta de lótus – contém sua fragrância e beleza e todas as suas características. Quando essa semente brota e começa a crescer, oferece todos esses dons ao mundo.

Cada um de vocês é uma maravilhosa semente como a de lótus. Você parece um pouco maior que ela, mas mesmo assim você é uma semente. Em você há entendimento e amor e muitos, muitos diferentes talentos. De nossos ancestrais recebemos maravilhosas sementes. Nossa habilidade de tocar música ou pintar, correr rápido ou ser bom em matemática, fazer coisas com nossas mãos ou dançar são todas sementes que recebemos de nossos ancestrais. Também herdamos sementes que não são tão boas, como as sementes de medo e raiva. Estas sementes podem nos fazer muito tristes e frequentemente não sabemos o que fazer.

Algum tempo atrás, um garoto suíço de 12 anos e sua irmã começaram a vir regularmente a Plum Village. O garoto tinha um problema com seu pai. Ele tinha muita raiva do pai porque o pai não falava gentilmente com ele. Se o garoto caísse ou se ferisse, ao invés de ajudá-lo e confortá-lo, seu pai ficava bravo com ele. Ele dizia: “Você é estúpido! Porque fez tal coisa?”

O garoto, é claro, queria que seu pai o confortasse com palavras gentis quando ele estivesse com dor. Ele não conseguia entender porque seu pai o tratava daquele jeito, e prometeu que nunca iria agir como ele quando crescesse. Se ele tivesse um filho, iria ajudá-lo e confortá-lo quando ele caísse ou se ferisse.

Um dia, este garoto estava vendo sua irmã brincar em uma rede com outra garota. Elas estavam balançando para frente e para trás. De repente a rede virou e ambas caíram no chão. Sua irmã cortou sua testa. Quando o garoto viu a irmã sangrando, ele ficou furioso. Ele estava quase gritando com ela: “Você é estúpida! Porque você se feriu assim?”. Mas como ele sabia como praticar, ele se segurou e voltou à sua respiração. Vendo que sua irmã estava bem, ele decidiu fazer meditação caminhando.

Durante sua meditação caminhando, ele descobriu algo maravilhoso. Ele viu que era exatamente igual a seu pai. Ele tinha o mesmo tipo de energia que o empurrava para dizer palavras grosseiras. Quando seu amado está sofrendo, você deveria ser amável, carinhoso e prestativo e não gritar com ele com raiva. Ele viu que estava prestes a se comportar como seu pai. Isto foi um insight. Imagine um garoto de doze anos praticando assim. Ele percebeu que era a continuação de seu pai e que tinha o mesmo tipo de energia, as mesmas sementes negativas.

Continuando a andar conscientemente, ele descobriu que ele não poderia transformar a sua raiva sem prática e que se ele não praticasse, ele iria transmitir sua energia de raiva a seus filhos. Eu penso que é fantástico para um garoto de doze anos ter sucesso assim na meditação. Ele ganhou esses dois insights em menos de 15 minutos de meditação caminhando.

O terceiro e último insight aconteceu quando ele voltou para casa e falou sobre as suas descobertas com seu pai. Ele decidiu pedir a seu pai que praticasse com ele de forma que ambos pudessem transformar suas energias. Com esse terceiro insight, a sua raiva e de seu pai desapareceram porque ele entendeu que seu pai era também uma vítima. Seu pai pode ter recebido essa energia de seu próprio pai. Portanto veja que a prática de olhar profundamente para ganhar entendimento e liberdade da sua raiva é muito importante.

 

transcrito do blog:
http://www.viverconsciente.com/textos/pebble/lago_de_lotus.htm

 

 

O que é budismo?

O que é budismo?

O budismo é o conjunto de tradições religiosas que surgiram a partir dos ensinamentos de Buda. Ele não inventou estes ensinamentos — o Darma —, mas sim redescobriu verdades atemporais que já tinham sido ensinadas pelos seres iluminados de eras passadas. Atualmente, o budismo é a religião mais difundida na Ásia, onde conta com aproximadamente 300 milhões de seguidores. Os primeiros contatos do budismo com o Ocidente aconteceram há muito tempo, mas somente a partir do século XIX é que houve um interesse maior por parte dos ocidentais.

——————————————————————————–

O budismo é religião? É filosofia? Um sistema de psicologia?

A tradição budista abrange e transcende todos estes aspectos. Como religião, o budismo procura nos “religar” (re-ligare) à nossa verdadeira natureza. Como filosofia, o budismo enfatiza o “amor à sabedoria” (philo-sophia) no sentido mais elevado. E como psicologia, o budismo oferece um vasto “conhecimento da mente” (psykhe-logos). Acima de tudo, o budismo oferece um caminho que conduz ao fim do sofrimento.

O budismo é uma ciência?

Às vezes o budismo é descrito como uma “ciência da mente”, no sentido de oferecer um sistema de conhecimento profundo do funcionamento da mente. Os métodos usados pelo Buda para analisar a natureza das coisas são praticamente científicos. Seus ensinamentos surgiram a partir da profunda contemplação das leis naturais de causa e efeito e podem ser atestados por qualquer pessoa, independente de suas crenças. O próprio Buda recomendou que seus discípulos devem analisar os ensinamentos e não simplesmente aceitá-los por mero respeito.

Quem é o chefe do budismo?

O budismo não possui uma hierarquia centralizada; cada tradição possui a sua própria estrutura organizacional. Muitos pensam que Sua Santidade o Dalai Lama, Tenzin Gyatso, é o “chefe” do budismo. Na verdade, Sua Santidade é o líder espiritual do povo do Tibet, ocupando uma importante posição dentro tradição tibetana Gelug. Entretanto, o Dalai Lama não é “chefe” do budismo, pois este posto sequer existe. Muitos praticantes budistas de outras tradições e também não-budistas têm grande respeito por ele.

Como são os ensinamentos budistas?

Há algumas características que permeiam os ensinamentos de Buda. Qualquer ensinamento que esteja de acordo com estas características pode ser considerado budista: todas as coisas condicionadas (ou seja, que surgem de causas) são insatisfatórias; todas as coisas condicionadas são impermanentes; todas as coisas (condicionadas e incondicionadas) são destituídas de um “eu” ou de uma essência independente; apenas o nirvana oferece paz verdadeira. Algumas pessoas pensam que o “budismo é pessimista”, que “só fala de sofrimento” e “nega a felicidade”. Na verdade, o budismo adota uma visão realista de nossos problemas e oferece um caminho que conduz à mais elevada felicidade.

O que é o despertar?

O despertar, ou iluminação, é o estado mais elevado de virtude e sabedoria. No budismo não existe o conceito de “pecado original” porque todos os seres têm o potencial de atingir o despertar. Existe a iluminação dos ouvintes (shravaka-bodhi), aqueles que ouviram os ensinamentos de Buda e atingiram o despertar; a iluminação dos realizadores solitários (pratyeka-bodhi), aqueles que atingiram a iluminação sem precisar ouvir os ensinamentos de um Buda; e a iluminação completa e perfeita (samyaksambodhi), atingida apenas pelos Budas. Estes três tipos iluminação são progressivamente mais profundos e mais difíceis de atingir.

O que é nirvana?

O nirvana é a mais alta felicidade, um estado completamente além do sofrimento. Todos aqueles que atingiram algum grau de iluminação desfrutam da paz do nirvana. Aqueles que atingem o nirvana não estão mais sujeitos ao renascimento no samsara — a existência cíclica — porque estão além do ciclo da morte e renascimento. O samsara é condicionado, isto é, surge de causas e condições; já o nirvana é incondicionado, não depende de causas e condições. Por isso, o nirvana não é um lugar, pois transcende o espaço; e o nirvana é eterno, pois transcende o tempo. O nirvana não é a “extinção do ser”, mas sim a “extinção do sofrimento”.

Quais são os principais ensinamentos do budismo?

São as quatro nobres verdades: 1. Todos os seres estão sujeitos ao sofrimento (velhice, doença, morte, insatisfação etc.); 2. O sofrimento surge de causas (cobiça, raiva, ignorância etc.); 3. Ao eliminarmos as causas, o sofrimento é eliminado; 4. Praticando o nobre caminho óctuplo, o sofrimento e suas causas são eliminadas.

O que é o nobre caminho óctuplo?

É o caminho ensinado pelo Buda que conduz ao despertar. Ele recebe este nome por ser dividido em oito práticas, geralmente agrupadas em três treinamentos.

Os Três Treinamentos Superiores O Nobre Caminho Óctuplo
I. Sabedoria 1. Visão Correta
2. Pensamento Correto
II. Ética (ou Moralidade) 3. Fala Correta
4. Ação Correta
5. Meio de Vida Correto
III. Meditação 6. Esforço Correto
7. Atenção Correta
8. Meditação Correta

Com o treinamento da ética, nossa mente chega a um estado tranqüilo, propício à meditação. E com o treinamento da meditação, é possível chegar à sabedoria que conduz ao despertar. O nobre caminho óctuplo também é conhecido como o “caminho do meio” porque é baseado na moderação e na harmonia, sem cair em extremos.

O que é sabedoria?

O termo sabedoria não se refere a um mero conhecimento intelectual. Sabedoria é o estado mental que conhece a verdadeira natureza das coisas. Entre as principais características da sabedoria, pode-se enfatizar o desapego e a compaixão — o serviço ativo pelo benefício dos outros.

O que é ética no budismo?

No budismo não há a idéia de “pecado”, de uma ofensa causada pela quebra de um mandamento. Entretanto, existem alguns preceitos básicos que constituem a ética budista: não matar; não roubar; não ter uma conduta sexual indevida; não mentir; e não usar intoxicantes. Desta forma, são evitadas as ações que resultam em frutos negativos. Em seu lugar, os budistas cultivam as ações que conduzem a frutos positivos: praticam a bondade amorosa; a generosidade; o contentamento; a honestidade; e a atenção plena.

O que é meditação?

A meditação é um treinamento para purificar a mente de seus aspectos negativos — cobiça, raiva, ignorância — e em seu lugar cultivar os aspectos positivos — generosidade, compaixão, sabedoria. Existem diferentes estilos de meditação budista que foram preservadas por diversas tradições. Caso esteja interessado em praticar meditação, é recomendável procurar um professor qualificado de uma tradição autêntica.

O que é karma?

Karma significa ação. Este termo refere-se à lei natural da causa e efeito, as ações e seus frutos. As ações podem ser feitas através da mente (os pensamentos), da fala (as palavras) e do corpo (as ações propriamente ditas). A analogia mais usada para explicar o karma é a do plantio de uma semente, que amadurece e faz surgir frutos. As ações hábeis (positivas) criam virtude e conduzem à felicidade, enquanto as ações inábeis (negativas) criam não-virtude e conduzem ao sofrimento. Apenas os seres iluminados não produzem mais karma, embora ainda estejam sujeitos aos frutos das ações anteriores.

O que é renascimento?

É o processo pelo qual os seres nascem novamente após a morte em um dos reinos da existência — entre os deuses, semideuses, humanos, animais, espíritos famintos ou seres dos infernos. O que determina o renascimento é o karma criado anteriormente. Todos os seres que nascem nestes reinos estão sujeitos à velhice, doença, morte e renascimento. Somente ao atingirem a iluminação eles se tornam livres deste ciclo. A palavra “reencarnação” não é muito apropriada pois, segundo o budismo, o que continua é o impulso kármico e não há uma “alma” ou “espírito” imortal migrando de um corpo para outro.

Os buditas acreditam em deuses?

O conceito budista de “deus” é diferente do conceito ocidental de um ser supremo, todo-poderoso, criador de todas as coisas. Os deuses não são onipotentes, onipresentes ou oniscientes. São apenas seres que acumularam grande virtude e renasceram em reinos onde desfrutam de muitos prazeres e longa vida. Mesmo assim, eles continuam sujeitos à morte e à queda nos outros reinos. Portanto, no budismo não existe a figura de um criador, ao qual devemos idolatrar e servir, nem a ameaça de sermos julgados e jogados no inferno caso não o obedeçamos. A meta da prática espiritual não é a de fugir para um paraíso, deixando os outros seres para trás, mas sim atingir a iluminação e trazer benefícios para todos — não apenas aos seres humanos, mas para todos os seres sem exceção.

Como surgiram o universo e os seres?

No budismo não existem mitos sobre a “criação”. Não houve uma “causa primeira”, não aconteceu um evento inicial isolado que possa ser rotulado como “a criação”, nem haverá um evento final que possa ser chamado de “o fim do mundo”. O tempo não tem início nem fim; da mesma forma, os reinos da existência cíclica não têm início nem fim. Todas as coisas surgiram de suas próprias causas e condições e estão sujeitas à cessação de acordo com essas mesmas causas e condições.

Quais são as escrituras budistas?

O cânone budista é conhecido como Três Cestos ou Tripitaka. Ele recebe este nome porque os ensinamentos do Buda foram compilados em três grupos. Os discursos atribuídos ao Buda e seus discípulos foram registrados em textos conhecidos como Sutras. As regras monásticas foram registradas em um conjunto de textos intitulado Vinaya. Finalmente, os textos que lidam com questões metafísicas compõem o Abhidharma.

O que são as escolas budistas?

Conforme se espalhou pela Ásia ao longo dos séculos, a comunidade budista — a Sangha — adaptou-se às necessidades locais e fez surgir diversas tradições, ou escolas. Todas as tradições autênticas possuem um núcleo comum de ensinamentos, como as quatro nobres verdades, o nobre caminho óctuplo etc. Cada escola enfatiza determinados aspectos e práticas do ensinamento budista. Conhecendo as diversas tradições, também podemos apreciar um pouco das belíssimas culturas orientais. No sul e sudeste asiático, a tradição predominante é a Theravada. Na China, na Coréia, no Japão e no Vietnã, desenvolveu-se o grande veículo ou Mahayana, cujas vertentes mais conhecidas são a escola Zen e a escola Terra Pura. Já no Tibet, Nepal, Mongólia e outras regiões próximas ao Himalaya, o budismo tântrico ou Vajrayana fez surgir quatro escolas — Nyingma, Kagyü, Sakya e Gelug.

Quem foi o Buda?

Siddhartha Gautama, o Buda histórico, viveu no norte da Índia por volta dos séculos VI-V a.C. Depois de renunciar à sua riqueza para buscar o fim do sofrimento, ele meditou durante muitos anos e finalmente atingiu a iluminação ou despertar. A partir de então, ele passou a ser conhecido como o Buda — o Desperto, o Iluminado — e se dedicou ao ensinamento do caminho que conduz ao despertar. No fim de sua vida, o Buda entrou em parinirvana, a liberação final, a paz suprema.

O Buda era gordo?

Não. O Buda histórico era um monge que se alimentava apenas uma vez por dia e passava boa parte do seu tempo caminhando, indo a diversos lugares para ensinar e meditar. Já a figura corpulenta, popularmente conhecida como o “Buda da Felicidade” ou “Buda Sorridente”, na verdade refere-se a um monge budista chinês que viveu muitos séculos depois do Buda histórico.

O Buda era um deus todo-poderoso?

Muitos hindus consideram o Buda como um avatar (emanação) de uma divindade chamada Vishnu. Entretanto, o Buda nunca afirmou ser um “deus”, “filho de deus” ou algum “profeta enviado de deus”. Sua sabedoria era onisciente, mas nunca afirmou ser onipotente. O Buda foi um ser humano como todos nós, e todos nós temos o potencial de atingir a iluminação.

O Buda era um salvador?

O Buda não se apresentou como um salvador, nem exigiu que seus seguidores o servissem ou o adorassem para conseguirem a salvação. Ele também nunca os chantageou com a ameaça de deixá-los cair no inferno. Ao invés disso, o Buda foi um mestre extremamente compassivo com seus discípulos. Seus ensinamentos valorizam a sabedoria e a compaixão como caminho para o despertar. No budismo, a liberação não depende necessariamente da fé ou de orações, mas sim da nossa prática da virtude e da sabedoria.

 

fonte: artigo ligeiramente adaptado de um site que já não existe – não sabemos o autor do texto.

Samu – Meditação em Ação

Samu – Meditação em Ação

A Prática da Atividade Diária

Na nossa prática Zen Budista, temos vários atividades que focalizam diferentes aspectos de nosso treinamento: o Zazen (meditação sentada), o Kinhin (meditação andando), a Prática do Cerimonial (meditação no ritual) e o Samu, que é a Prática da Atividade Diária (meditação em ação). A prática do Samu, em particular, é traduzida pelos praticantes em quase todos os centros de prática como “trabalho” Mas é preciso observar que a palavra “trabalho” pode trazer muitas conotações negativas.

Na tradição judiaco-cristã, por exemplo, o trabalho foi o castigo dado ao homem por ter comido da maçã do conhecimento do bem e do mal (a dualidade). De certa forma, como “Deus descansou no sétimo dia”, parece que a grande meta da vida tornou-se poder “descansar”, desfrutar do ócio. Frequentemente, em casa, depois do “trabalho”, dizemos que estamos “cansados” quando alguém nos pede para ajudar com uma tarefa da casa, como ajudar a secar a louça. No entanto, quando alguém nos convida para jogar futebol ou ir dançar, de repente já não estamos mais “cansados”. O fato é que secar a louça gasta muito menos energia do que jogar futebol ou dançar, mas costumamos definir a terefa de secar a louça como “trabalho” e jogar futebol e dançar como “divertimento”.

Os Estados Unidos, que é um país predominantemente protestante, se beneficiou da interpretação do “trabalho como meio de salvação” – a “ética do trabalho”. Como resultado, o trabalho é valorizado e muitos adolescentes cortam a grama ou cuidam das crianças do vizinho (“babysitting”), entregam jornais e fazem numerosas pequenas tarefas para ganhar um trocadinho e complementar as suas mesadas.

Tentem imaginar isso no Brasil – é quase impossível! Afinal, o Brasil é um país predominantemente católico e não herdou esta “ética do trabalho”. Mais ainda, o Brasil foi um país escravista e, como conseqüencia, traz na mente inconsciente coletiva uma atitude que diz que trabalhar é para os “escravos”, não para as pessoas “dignas”. E pior, quem “manda” nos escravos é um “capataz”, um “maldoso”.

A cultura popular fala da “malandragem” e do “levar vantagem” como se fossem qualidades positivas. Finalmente, a retórica esquerdista argumenta que os trabalhadores estão sempre sendo “explorados” pelos empresários, e que estes roubam do povo. Este retórica coloca os trabalhadores sempre no papel de vítimas e “demoniza” sempre os empresários.

Conseqüentemente vejo numerosos conflitos internos em muitos brasileiros em relação ao trabalho. Vejo muito sofrimento desnecessário, devido a estas atitudes.

Com a “demonização” dos empresários e o fim da escravidão, até mesmo as pessoas bem-sucedidas na sociedade brasileira com freqüência se vêem enfrentando conflitos internos entre a sua vontade de “subir na vida” e estes conceitos negativos sobre o trabalho que estão na mente coletiva inconsciente. Pior ainda: às vezes, ao “subir na vida, ao se tornaram “bem-sucedidos”, se tornam alvos do preconceito dos outros, como se fossem ladrões e capatazes.

Com tudo isso, a prática Zen Budista na qual vejo maior resistência entre os praticantes é justamente o Samu, a Prática da Atividade Diária ou a Meditação em Ação. As Sangas relacionados com o nosso grupo atualmente funcionam em espaços de academias de artes marciais e uma parte da nossa prática é de montar a sala com os zabutons, zafus e altar para a nossa prática Zen e, depois, desmontar a sala, deixando-a em ordem para a prática das artes marciais.

É quase cômico observar como alguns dos praticantes chegam – como se estivessem cronometrando – justamente assim que a sala termina de ficar montada, pronta para o Zazen. Se uma pessoa interpreta o Samu como “trabalho”, é natural que não queira participar do Samu. Afinal, ninguém é louco!

Pelo outro lado, é muito gratificante notar como, depois de um tempo de ajudar a desmontar a sala meio “contra a vontade”, “de cortesia, para não deixar a monja sozinha”, etc, os membros da Sanga já demonstram prazer em praticar o Samu de desmontar a sala, e estão aprendendo a “fluir” nas atividades. Sem necessidade de alguém “supervisionando”, as tarefas acabem sendo realizadas, a sala é entregue para as práticas das artes marciais e os nossos objetos são guardados. Não demonstram pressa para “ir embora”. Saímos todos juntos, quando tudo ficou pronto. O Samu deixou de ser visto como “trabalho”.

Bem, se o Samu não é “trabalho”, então o quê é? Para quê serve?

Vejo um continuum na nossa prática que vai desde o Zazen até o Samu, nos preparando para levar a nossa prática para o mundo “lá fora”, onde não estamos mais cercados por praticantes, por pessoas unidas pela mesma busca espiritual – a nossa Sanga, mas onde estamos cercados por pessoas de todos os tipos e crenças.

No Zazen, a meditação sentada, vamos entrando em contato com o nosso “centro”, com o estado de Paz e Tranquilidade que está aí dentro, disponível para todos nós. Temos poucas distrações, poucos estímulos para nos distrair, facilitando o nosso mergulho interno, facilitando o nosso cultivo deste estado de Paz e Tranquilidade.

Então seguimos para o Kinhin, a meditação andando, onde treinamos a manutenção deste mesmo estado de Paz e Tranquilidade numa ação levemente mais complicada. Precisamos estar atentos ao equilíbrio do corpo ao andar, combinando os nossos passos não apenas com a nossa respiração mas também com o ritmo do grupo, mantendo a mesma distância entre a pessoa à nossa frente e a pessoa atrás de nós. Lidamos com mais estímulos – as sensações nos pés ao andar, o “cenário” que muda quando mudamos de lugar na sala… No Kinhin também já começamos a entrar em contato com as nossas preferências, na medida em que aparecem aqueles pensamentos como “ele está andando muito rápido” ou ficando irritados ao achar que a pessoa na nossa frente está andando muito devagar. Treinamos não nos deixar ser levados por estes pensamentos e sentimentos.

Depois disso vamos para a Prática do Cerimonial, onde recitamos sutras e participamos de atividades “pré-estruturadas”, com poucas variações. Esta prática é freqüentemente muito mal-compreendida, interpretada como mero “ritual” sem valor. Mas é uma prática riquíssima onde não apenas praticamos harmonizar a nossa voz com a voz do grupo (“recitar as sutras com os ouvidos”) mas também incorporamos os ensinamentos dos sutras através da recitação e treinamos manter o estado de Paz e Tranquilidade – e a plena atenção – ao realizar ações e movimentos cada vez mais complicados – na medida em que passamos a treinar as diferentes posições que fazem parte do cerimonial (sogei, mokugyo, doan, jisha, dennan, etc.). Enfrentamos o nosso medo de errar, os nossos sentimentos mistos (talvez até com rebeldia) ao lidar com a exigência de precisão nos movimentos e a exatidão nos toques com os instrumentos, etc. Entramos em confronto com a nossa falta de atenção ao errar algum detalhe sempre que nos distraímos e deixamos de manter a plena atenção. É aí que muitos praticantes ou partem para o “piloto automático” e ritual “morto” ou entram na resistência, fugindo da prática, sem imaginar o quanto estão perdendo.

Finalmente, chegamos ao Samu, a Prática da Atividade Diária, que pode ser entendida como a Meditação em Ação ou a “Medit-Ação”. Frequentemente realizada através das atividades “comuns” como servir o chá, varrer o chão, cozinhar, lavar janelas, também inclui toda e qualquer atividade diária como realizar tarefas no computador, costurar, arrumar uma sala, fazer a contabilidade e o controle financeiro do grupo, escrever cartas, instalar uma estante, etc., etc. e etc. Até mesmo estudar pode ser uma prática de Samu. Pode-se dizer que somente ficariam excluídas as atividades de entretenimento, como assistir filmes ou ouvir música.

Mas o que diferencia estas atividades como “Samu” das mesmas atividades no sentido comum, frequentemente rotuladas como “trabalho”? Ao realizar estas tarefas com o espírito da “prática de Samu”, estamos treinando manter, agora em atividades das mais variadas, aquele mesmo estado de Paz e Tranquilidade que descobrimos no Zazen e que praticamos manter no Kinhin e no Cerimonial. Quando fazemos o nosso Samu junto com outros membros da Sanga, temos o apoio de pessoas com quem temos afinidades, que seguem os mesmos valores e realizam a mesma prática. No entanto, na hora do Samu, entramos em contato com as nossas preferências, os nossos julgamentos. Somos cheios de “eu quero/não quero”, “gosto de fazer isto/não gosto de fazer aquilo”. Por exemplo: “não quero lavar janelas, quero cozinhar!” “Não quero cozinhar, mas aceito secar pratos!” E quantas opiniões descobrimos ter: “quero fazer do meu jeito”, “aquela pessoa faz errado”, “não gosto de trabalhar junto com fulano”, “aquilo é serviço de mulher!”. Descobrimos a nossa tendência de querer tagarelar ou o nosso hábito de fazer as coisas “no piloto automático” em lugar de silenciosamente manter a plena atenção na nossa atividade. Temos a oportunidade de treinar voltar para o nosso centro, mergulhar no estado de Paz e Tranquilidade, sair das dualidades de nossas preferências, julgamentos e opinões e fluir com a atividade, aprendendo a simplesmente fazer a atividade que está à nossa frente.

Que bela preparação para levar a nossa prática “ao mercado”, ao mundo “lá fora”, à nossa convivência com os outros na nossa família ou em nosso local de trabalho!

Que os méritos de nossa prática se estendem a todos os seres, para que, junto com todos os seres, realizemos o Caminho de Buda!

 

Artigo transcrito do site da Monja Isshin Havens:
http://monjaisshin.wordpress.com/2009/10/13/qual-o-significado-de-samu/

O que o Buda não ensinou

O que o Buda não ensinou

por: Christopher Titmuss

tradução de: Paulo Stekel
* publicado pela primeira vez <neste site> em 06/01/2008

Os Discursos em Páli (Suttas) são o corpo original de textos das palavras do Buda. O propósito deste artigo é destacar alguns aspectos daquilo que o Buda não ensinou. Os Suttas em Páli mostram que o Buda refutou muitas idéias que hoje lhe atribuímos. Os praticantes do Dharma, aqueles que consideram o Buda como seu professor principal, precisariam verificar o que o Buda disse nos Suttas. Permitam-nos aplicar uma sabedoria perspicaz. Obviamente, há percepções mais profundas que vão além da sabedoria do Buda.

Conforme os textos, o Buda não ensinou:

1 – Abhidhamma. Conforme a Tradição Budista Theravada, o Abhidhamma constitui os ensinamentos de Buda concedidos à sua mãe no paraíso de Tusita. A pesquisa histórica mostra que monges budistas especialistas escreveram o Abhidhamma como um comentário às palavras do Buda. Consistindo de sete livros, o Abhidhamma fornece uma classificação detalhada e analítica da mente e do corpo numa variedade de grupos e elementos. O Abhidhamma foi composto durante um longo período e não é a palavra do Buda, mas só uma interpretação. O Abhidhamma é uma entre um certo número de escolas budistas de interpretação dos Suttas.

2 – Aceitação. Nos 5 mil discursos do Buda não é possível encontrar uma palavra Páli para “aceitação”. Ele aponta mais para uma investigação profunda do que uma aceitação daquilo que não podemos mudar.

3 – Anicca, Dukkha e Anatta são a verdadeira realidade da existência. O Buda nunca fez tal afirmação a respeito da impermanência [anicca], da insatisfatoriedade [dukkha] e do não-eu [anatta]. Ele disse que estas são três características da existência. Se fossem a verdadeira realidade, não haveria alívio nem liberação. O Incondicionado é anatta [não-eu], mas não anicca ou dukkha.

4 – Crença em Deus. O Buda considera a crença no Deus Criador do monoteísmo como só mais uma das diversas espécies de crença religiosa. Ele a rejeitou, bem como a várias outras crenças religiosas. No Judaísmo, Cristianismo e Islamismo isso é considerado como a única crença religiosa. Na antiga Índia, o Deus criador era chamado Brahma. No entanto, o Buda apontou o caminho para permanecer com Brahma (Brahma Viharas). É importante entender que o Deus Criador da Índia antiga não pode ser comparado ao Deus Criador Ocidental, que é absoluto e todo-poderoso. Brahma é um Deus entre os Deuses. A profunda e liberadora força de amor, compaixão, grata alegria e equanimidade revela uma permanência com Brahma, uma força criativa. O Buda nunca hesitou em seu foco na liberação completa, ao invés de uma experiência de união com Brahma.

5 – Estar no aqui e agora. O Buda não deu ensinamentos do tipo “estar aqui e agora”. Os especialistas budistas traduziram muito livremente “ditthe dhamme” como “aqui e agora”. “Ditthe” significa “visão” e “dhamme” refere-se ao Dharma, isto é, a todos os objetos (na mente e no mundo, passado, presente ou futuro), aos ensinamentos e à verdade. O Buda não reconheceu qualquer tipo de entidade egóica [self entity] nem adotou uma idéia de substância para o momento presente. “Ditthe dhamma” pode ainda significar “o ato de ver com atenção cuidadosa o Dharma”.

6 – Crença em Deus, um salvador, um livro sagrado, profeta ou guru. A linguagem de “Deus” é a linguagem do “Eu”. Afinal de contas, a crença em Deus e no Eu são os dois lados da mesma moeda, a primeira crença reconfirmando a segunda. Um “Deus Absoluto” não é uma grande questão nos Suttas porque ela não foi um ensinamento influente quando o Buda destacou o ver claramente, o amor desapegado (metta) e a compreensão da natureza da originação dependente. Ele não se opôs à linguagem de “Deus” (Brahma), como usada na Índia. Ele considerou a noção de Deus inteiramente dependente dos sentimentos, percepções e crenças. Não referiu-se a si mesmo como um profeta, guru, deidade ou avatar (encarnação de Deus). Não referiu-se a si mesmo como um mortal comum. Ele disse: Eu estou desperto. O Buda não apontou um sucessor antes de morrer. Ele ordenou que sua Sangha confia-se no Dharma.

7 – Causa. O Buda observou estritamente a originação dependente. Ele não adota uma causa e efeito simplista, de A para B, pensando algo como “esta técnica de meditação conduz diretamente à liberação”. O Buda referiu-se à causa (Páli, hetu) como uma condição distintiva (paccaya). Ele tendeu a colocar as duas questões juntas. Qual é a causa? Qual é a condição? (ko hetu ko paccayo) Numerosas causas ou condições para numerosos efeitos são mencionados nos Suttas. O Buda não aplica qualquer espécie de modelo simplista – “isto exclusivamente causará aquilo” – para o despertar. Ele se refere a um caminho direto (eke-yana) para o despertar.

8 – Escolha. A idéia de que somos sempre livres para fazer uma escolha não está de acordo com a experiência. Não escolhemos nascer, parar de envelhecer, de ficar doentes ou de sofrer dor. Não podemos escolher viver para sempre. Não podemos escolher ser felizes em cada momento do dia. Não podemos escolher os resultados dos eventos que realizamos em nossas vidas. Poderíamos pensar que fazemos escolhas livres e independentes somente para constatar mais tarde que a suposta livre escolha que fizemos acabou se tornando um pesadelo. Nossas supostas escolhas são limitadas. Fazemos escolhas sem conhecer as incontáveis condições que influenciam tais escolhas, ou do passado, presente, ou que poderiam surgir no futuro. Somos herdeiros de nosso karma e amarrados a nosso karma. Isso é uma escolha? É aconselhável usar a linguagem de “escolha”? É a noção da escolha do consumidor deixando-nos iludidos e aprisionados como fregueses? O Buda enfatizou mais a intenção afetando corpo, fala e mente. Na clareza, naturalmente cultivamos ética, samadhi [N.T. “êxtase” – o autor o define como “poder de concentração”] e sabedoria. É uma prioridade natural. A Sabedoria diz que neste caso não se sente haver qualquer escolha. É simplesmente algo conduzente a um modo de vida liberado. Num sentido profundo, realmente não há uma escolha.

9 – Determinismo e fatalismo. O passado certamente pode determinar o processo de originação dependente. O fato de que o passado pode determinar o presente não significa que somos prisioneiros, porque o passado não é um agente que, afinal de contas, possa aprisionar-nos. Isto também significa que não há eventos que simplesmente ocorram sem causas e condições. O Buda também não ensina o fatalismo. Se o passado de modo absoluto determinasse nossa vida, então os ensinamentos das Quatro Nobres Verdades seriam irrelevantes. Seríamos um total prisioneiro de nosso passado. Novamente, não haveria liberação do passado, das forças não-resolvidas do karma. O Buda ensina a originação dependente e a liberação.

10 – Iluminação. A palavra “iluminação” não aparece em lugar algum dos textos budistas. Iluminação é um conceito Ocidental relacionado à era moderna no Ocidente, onde a ciência e a razão gradualmente substituíram o Deus que distribuía punições e recompensas pelas crenças e conduta humana. A palavra bodhi significa “despertar”. Ela vem da raiz budh – “acordar”. Soa arrogante dizer “eu estou iluminado”. Isso soa como crença em um “Eu” que diz “eu estou iluminado”, já que implica em um Eu chegando à Luz e que podemos apreciar aqueles que despertaram. Em Sete Fatores da “Iluminação” a palavra Páli é bojjhanga – bodhi, despertar e anga, aspectos de ou membros de. Uma década atrás eu escrevi um livro chamado Light on Enlightenment [Luz sobre a Iluminação]. Anos depois, um especialista Páli me fez a distinção entre despertar e iluminação. Vivendo e aprendendo!

11 – Fé. No sentido Ocidental, fé é freqüentemente associada com fé religiosa, como a de que há vida após a morte ou ter fé em um livro sagrado, um profeta ou Deus. Não há palavra equivalente nos ensinamentos do Buda. Saddha, a palavra Páli traduzida como fé, ou às vezes confiança ou crença, significa sad – coração, dha – pôr ou colocar. Quando nosso coração se dirige à ação, como para explorar os ensinamentos, então saddha surge enraizada na direção do maior aprofundamento.

12 – Livre-arbítrio. Para a vontade ser livre, teria que ser independente, suportada pelo Eu e não condicionada por circunstâncias interiores e exteriores. O Buda não ensina o livre-arbítrio. O Buda ensinou o caminho do meio entre livre-arbítrio e determinismo. O Eu está ligado à noção de livre-arbítrio e igualmente ligado à noção de determinismo. Verdadeiramente, conhecer e perceber a originação dependente é liberar-se. Isso revela o vazio de um Eu real e das coisas reais.

13 – Escape. Os textos falam do escape do sofrimento. A palavra Páli nissarana significa saída. Nós geralmente associamos escape com evasão, com o medo que nos obriga a fugir de nós mesmos, da responsabilidade. Precisamos lembrar o suporte que o Buda deu-nos para encontrar a saída. Gautama, o futuro Buda, fugiu de suas responsabilidades como um príncipe, um marido e um pai. Após seu despertar, seis anos depois, ele pensou a respeito da gratificação da busca de prazer, o perigo nisso e a saída disso.

14 – Extinção do desejo. A palavra khaya geralmente traduzida como extinção, destruição ou dissolução, significa o “esgotamento” do desejo. No esgotamento do desejo, podemos envolver-nos em atenção sábia e ação sábia não corrompida com as preocupações do Eu e com aquilo que ele persegue.

15 – Cinco Preceitos. É extraordinariamente difícil encontrar o conjunto de Cinco Preceitos nos ensinamentos do Buda. Esta lista dos cinco aparece em uma única ocasião em um texto obscuro em todos os Suttas. O Buda nunca limitou sila (ética) a cinco preceitos. Ele falou muito mais extensamente sobre ética, sobre moralidade, do que tem feito a tradição budista. Ele falou a monges e monjas sobre a importância do controle dos sentidos, da purificação do meio de vida e do habilidoso uso de comida, vestimenta, abrigo e medicina como características igualmente importantes de sila. Foi conveniente para o rico que a tradição budista ignorasse o Buda e confinasse a ética aos cinco preceitos. O rico poderia buscar a gratificação sensual e privilégios incontidos assim que a tradição em grande parte excluiu-os como uma questão moral. O Buda ainda lista 10 caminhos de ação inábil e ação hábil, 3 de corpo, 4 de fala, 3 de mente (os 4 primeiros sendo a base dos 4 primeiros preceitos). MN 41, Saleyyaka Sutta.

16 – Interconexão. Isto implica que cada “coisa” está conectada a cada outra “coisa”. É uma idéia baseada na noção de que há alguma “coisa” no primeiro lugar. É o carro o motor? Não. Então, tire o motor. É o carro as rodas? Não. Então, tire as rodas. É o carro qualquer outra parte? Não. Então, jogue fora o resto das partes. O que restou do carro a ser conectado? Nada daquele “eu”. Há a convenção de que existe um carro. Muitas mulheres juntaram-se ao Buda no modo de vida renunciado da exploração do Dharma. Uma destas mulheres, chamada Vajira, experimentou pensamentos perturbadores na meditação.

Por quem este homem foi criado?
Onde está o Artífice do ser?
De onde o ser humano se originou?
Onde o ser humano cessa?
Então isto veio à sua mente.
Quem se dedicou a esta questão? Um ser humano ou um ser não-humano?
Ah, isso vem da tentação (Mara) para despertar medo e apreensão? Ela compreendeu.
A verdade despertou nela. Ela respondeu:
Exatamente como numa união de partes a palavra carruagem é usada.
Então, quando os agregados existem,
Há a convenção de um ser humano.
Então, foi dito ao final do discurso pela voz para despertar medo.
Vajira reconheceu-me e então a voz desapareceu dali completamente. SN. 1. pag. 230.

17 – A vida é sofrimento. Está é uma declaração incorreta da primeira nobre verdade. Novamente, não há tal declaração do Buda. Se isso fosse realidade, então não haveria escapatória. Quando o sofrimento surge na vida, é devido às condições. Quando as condições para o sofrimento não estão presentes, então o sofrimento não surge.

18 – Mantras. Os Mantras são geralmente uma prática devocional para um Eu Supremo, para um Deus ou que se utiliza da pura repetição de uma palavra para condicionar a mente a reduzir o estresse ou o pensamento excessivo. O Buda ensinou a experiência direta com a respiração, o corpo, os sentimentos, os estados da mente e o dharma ao invés de qualquer mantra como a prioridade da atenção. Mantras podem, entretanto, ser uma meditação útil para acalmar a mente.

19 – Metta é bondade amorosa. Muitos tradutores Páli definiram metta como bondade amorosa. O Pali-English Dictionary, da muito respeitada Pali Text Society, na Grã-Bretanha, usa a palavra “amor” para metta. Percepções da bondade dos monges budistas podem ter influenciado a moderna tradução de metta. O dicionário diz que metta deriva de mid – amar. Bondade amorosa é uma tradução inadequada. Metta expressa amor incondicional, amizade profunda e bondade ilimitada, aberta e sem amarras. O Buda falou a Anuruddha de liberação através do amor (metta ceto-vimutti) e novamente em Itivuttaka 27.19-21. Ananda também incentivou meditar nas características de metta para se atingir a liberação.

20 – Método e técnica para desenvolver Metta. No Metta Sutta, o Buda simplesmente revelou as qualidades, atitude e estado de ser de alguém profundamente fixado em metta. Amor sem limites é a marca de uma pessoa verdadeiramente realizada. O Buda apenas ensinou a direção de metta em todas as direções assim que se esteja desapegado. Metta, que é amor, é uma força transformadora e divina que compartilha características similares à liberação. Ambas, liberação e amor, não conhecem limites. Os métodos e técnicas modernas para desenvolver metta têm muito pouca relação com a realização de metta como uma imersão permanente. Apesar disso, a aplicação de métodos e técnicas para desenvolver metta pode ser muito proveitosa. Em seu livro clássico da tradição Theravada do século V, o Visuddhimagga (o Caminho de Purificação), o Venerável Acharya Buddhaghosa aproveitou algumas das afirmações do Buda e usou-as como frases para desenvolver metta. Ex.: “Possam todos os seres estar livres da inimizade. Possam eles viver venturosamente.”

21 – Atenção plena é o elo mais importante no Caminho Óctuplo. O Buda nunca isolou um elo acima dos outros. No Discurso sobre as Quatro Aplicações de Atenção Plena, ele disse que “atenção plena é cultivada até o ponto necessário para o conhecimento, a fim de se permanecer livre e independentemente no mundo”. Não há qualquer instrução nos ensinamentos do Buda para se estar “cônscio em cada momento”. Ele não poderia corresponder a tamanho ideal. Nem ninguém poderia. É um empreendimento impossível. O Buda não foi sempre cioso das conseqüências de suas decisões e mudaria sua mente depois. Tomar um dos aspectos do caminho e elevá-lo acima dos demais abandona a originação dependente. Isso daria caráter de Eu à atenção plena. No MLD 117, o Buda declarou que visão correta, esforço correto e plena atenção correta sustentam uma à outra enquanto fornecem uma explicação abrangente da sustentação mútua e dos significados de cada elo no Nobre Caminho Óctuplo.

22 – Prática momento a momento. O Buda não adota esse tipo de idéia. Ele defende a aplicação da plena atenção ao corpo, sensações, estado da mente e dharma. É um meio de realizar uma liberação eterna. Ele não ensina o concentrar-se na plena atenção para seu próprio benefício. Ele não admite qualquer tipo de egoidade à plena atenção. Não há palavras para “momento a momento” em qualquer dos Suttas. Desenvolvemos plena atenção juntamente com seis outros membros para atingir o despertar, a saber, investigação, energia, alegria profunda, tranqüilidade, concentração meditativa e equanimidade, para chegar à verdadeira sabedoria da liberação. (MLD 118).

23 – Conhecer e perceber as coisas como elas são. Não proferido pelo Buda. Uma má tradução comum de yathabhutam-ñana-dassana. Esta célebre declaração do Buda significa literalmente “conhecer e perceber conforme o que vem a ser”. Bhuta vem da raiz bhu, vir-a-ser. Isso se refere à ação de conhecer e perceber. Não há menção de coisas nesta afirmação. Esta tradução correta é uma aproximação mais dinâmica e desafiadora do que a má tradução que sugere uma idéia fixa. “O que vem a ser” se refere à originação dependente.

24 – Nenhum Eu. O Buda permaneceu em nobre silêncio quando perguntado se havia um eu ou nenhum eu. Ele simplesmente declarou que corpo, sentimentos, percepções, formações mentais, incluindo os pensamentos, e a consciência não eram alguém e não pertenciam ao eu. Ele não ensinou o eu como sendo um veículo para a liberação da falsa percepção. Anatta literalmente significa “não-eu”; se o Buda tivesse dito “nenhum eu”, ele teria falado na-atta.

25 – A Unidade é a realidade fundamental. O Buda não negou a importância da Unidade. Ele se refere a ela na experiência de Brahma Viharas (Permanência Divina ou Presença de Deus). Ele não se refere a esta Permanência como realidade fundamental, uma vez que isso traz a noção de um Eu que se une a outro. O Buda refuta que O Todo é Um e igualmente refuta que O Todo é Muitos e aponta para a originação dependente. Em MLD 117, o Buda disse: a Unificação da mente, equipada com os outros sete elos do Caminho Óctuplo, é chamada nobre concentração correta com seus suportes e requisitos.

26 – Abrir-se ao desejo. O desejo (tanha), tanto quanto a ânsia e a sede que se seguem, conduz à insatisfatoriedade e ao sofrimento. O Buda nunca endossou uma idéia como a de se abrir ao desejo. O desejo resulta do contato, da identificação com sensações particulares que condicionam o desejo e alimentam o apego. A idéia de que podemos obter aquilo que desejamos sem vínculo com os resultados compromete os ensinamentos do Buda sobre a insatisfatioriedade do desejo. Abrir-se ao desejo emite uma mensagem aos consumidores budistas para que estejam abertos a seus desejos desde que, por meio deles, sigam sem ânsia. A paz temporária da mente que experimentamos quando somos bem-sucedidos em conseguir o que queremos é devida à suspensão temporária do desejo em nossa mente. Abrir-se ao desejo dilui os ensinamentos do Buda para adequá-los à ideologia Ocidental de ir atrás do que queremos. É uma visão comum no Budismo Americano contemporâneo, onde geralmente a jangada que vai para a outra margem tem se tornado a partida de um transatlântico. O Buda usa outras palavras para “desejo”, como dhamma-canda, zelo pelo dharma, quando referindo-se à intenção, práticas e ações necessárias para o despertar e a liberação.

27 – A Paixão (raga) deve ser erradicada. O Buda incentivou a paixão como Dhamma rage (Paixão pelo Dharma). Não devemos confundir raga com desejo. Ele referiu-se a abandonar qualquer raga que dá cor e distorce os objetos. A palavra raga significa dar cor ou tingir.

28 – Paramitas (Perfeições). O Buda não ensina as 10 Perfeições. Elas não são encontradas em nenhum lugar dos Suttas. Ele refutou a crença de que podemos alcançar uma perfeição da mente, não importa o quanto cultivemos dana (generosidade), ética, renúncia, sabedoria, energia, paciência, honradez, decisão, metta (amor, bondade amorosa) e equanimidade. As 10 Perfeições são encontradas nos comentários do Theravada e Seis Perfeições são encontradas na tradição Tibetana. O Buda ensinou a liberação a partir da noção de perfeição e imperfeição.

29 – Salvação pessoal. Salvação pessoal importa para aqueles que acreditam em um Eu que deva ser salvo.

30 – Renascimento. Não há nenhuma palavra nos ensinamentos do Buda que se traduza literalmente como renascimento. Esta noção parece vir da palavra Páli punnabbhava, que literalmente significa “novo vir-a-ser” [rebecoming]. No Kalama Sutta, um dos mais queridos de todos os discursos sobre a investigação, o Buda presume uma idéia provisória sobre o “novo vir-a-ser” ao invés de referir-se a isso como um fato indubitável. Há o “novo vir-a-ser” devido a estar-se amarrado à força do desejo.

31 – Reencarnação.
O Buda refutou a crença numa alma, Eu [self] ou essência que vai de uma vida à outra. Nossa meditação não pode mostrar algo interno permanente a deixar o corpo ao chegar a morte.

32 – Visão correta. A palavra Páli para “correto”, no caso de “visão correta”, “intenção correta” e nos seis elos restantes no Nobre Caminho Óctuplo, é Samma. Samma significa “conduzente” – conduzente ao completo despertar. Uma visão conduzente revela uma profundidade de compreensão do que é a liberação. Samma não tem qualquer implicação de um mandamento moral, de certo ou errado. Miccha Magga significa um Caminho Não-conduzente que se segue na vida.

33 – Samatha (tranqüilidade) e vipassana (discernimento) são práticas separadas uma da outra.
O Buda nunca refere-se em nenhum lugar a samatha e vipassana como técnicas. Se fossem, seriam opostas uma à outra. Ele ensinou samatha-vipassana como qualidades de experiência e percepções essenciais para a compreensão do Dharma. Ele disse que algumas pessoas são desenvolvidas em ambas, tranqüilidade e discernimento; algumas são desenvolvidas em tranqüilidade; algumas são desenvolvidas em discernimento e algumas permanecem não-desenvolvidas em ambas. O Buda nunca disse que samatha (a consciência plena da respiração) é uma técnica e que Vipassana ou meditação do discernimento (consciência do corpo ou pensamentos que surgem) é outra técnica. Diferentes tradições budistas separaram uma da outra.

34 – A visão da impermanência é tudo o que importa. O Buda nunca tomou a exploração da impermanência isoladamente do resto do corpo de seus ensinamentos. Quanto à impermanência, incentivou uma perspectiva quíntupla – vemos a originação, o desvanecimento (de eventos, fenômenos, experiências, relacionamentos, etc), a satisfação, o risco e o caminho para fora do mundo da impermanência. A experiência de impermanência (anicca – literalmente “não-permanente”) está disponível como um passo em direção ao desapego.

35 – Partícula subatômica (kalapas). O Buda não ensinou o desenvolvimento do poder de concentração (samadhi) na meditação a fim de experimentar partículas subatômicas. A palavra kalapas não aparece em nenhum lugar dos suttas. O Buda não sustentou tais coisas, como visões materialistas ou não-materialistas.

36 – A Verdade está dentro de você. Nunca declarado pelo Buda. Ele disse que preservamos a verdade quando não fazemos reinvindicações de a possuirmos. A verdade não está dentro, nem dentro de outro, nem no meio. Nós não podemos encontrar uma coisa chamada Verdade interior. A verdade é aquilo que nos desperta (bodhi-sacca), a verdade da sabedoria (sacca-ñana). Não é uma entidade substancial que alguns têm e outros não têm.

37 – Vipassana como uma técnica. Não há nada nos ensinamentos do Buda indicando que Vipassana seja uma técnica. A palavra simplesmente significa “discernimento” [insight]. Um momento de discernimento é um momento de vipassana que pode surgir em qualquer lugar a qualquer momento. A tranqüilidade sustenta o discernimento e o discernimento sustenta a tranqüilidade. Calma e discernimento indicam liberação.

38 – Eu Real. Diversos professores budistas mais graduados inevitavelmente usam em suas conferências e escritos o conceito de Eu Real. Não há nada que valide um Eu Real. Quem ou o que internamente determina o que é esse meu Eu Real e o que não é esse meu Eu Real?

39 – Dieta vegetariana. O Buda estava mais interessado no que saía de nossas bocas, do que naquilo que entrava nelas. Ele não se opôs que os buscadores renunciados recebessem carne para comer, desde que animais não fossem mortos por eles. (MLD 55). Na Índia vegetariana todos os dias andarilhos, iogues, sadhus e ascetas muito, muito raramente tocam carne. Os hindus tratam as vacas na Índia com reverência sagrada por seu modo tranqüilo e seus laticínios. É improvável que os hindus oferecessem à Sangha desabrigada do Buda qualquer coisa com aspecto de carne – isto é, animais, aves ou peixe. O Buda necessitaria revisar radicalmente sua visão hoje a respeito da ingestão de carne. Há crueldade para com os animais em nossos grandes matadouros. Animais são abastecidos com uma dieta prejudicial. Vacas, ovelhas, porcos e aves consomem uma enorme quantidade de comida, quer confinados em fábricas animais, quer ocupando terras valiosas que poderiam fornecer grãos, frutas e vegetais. Milhões de budistas entoam para salvar todos os seres sencientes e dispensar bondade amorosa aos animais, aves e peixes, mas continuam a comê-los, geralmente no dia-a-dia.

40 – Meditações com visualização. O Buda forneceu práticas diretas para vermos e conhecermos por nossas próprias experiências o que vem a ser, ao invés de aplicar sobre a experiência visual figuras, imagens ou arquétipos mentais. Do mesmo modo que com os métodos para metta, o uso de práticas com mantras, visualização, podem, contudo, ser uma forma muito benéfica de meditação.

41 – Nós criamos nossa própria realidade. O Buda nunca fez essa declaração. Você vê essa frase atribuída ao Buda em posters e calendários. É uma idéia bizarra. Pode a mente criar o céu, a terra, a natureza e incontáveis seres sencientes? A crença de que criamos nossa própria realidade é uma projeção primitiva. Não podemos criar nem mesmo nosso próprio sofrimento. A noção de “eu” e “meu” simplesmente surge com condições que têm um suporte. As condições da originação dependente dão forma à realidade. A mente não pode criá-la. O Eu substituiu Deus, o Criador, pelo Eu, o Criador. É outra projeção. Isso vem da má tradução do primeiro verso do Dhammapada. O buda disse que “todos os dharmas são fabricados pela mente”. Isso significa que a mente constrói o Eu pelo que é percebido. A mente concede substância, essência, alma ou egoidade àquilo que é originação dependente.

42 – Atenção sábia. Uma tradução simples. As palavras Páli são yoniso-manasikara. Yoni é o útero da mãe. Manas é mente. Kara é ação. É a ação da mente que emerge da profundeza de nosso ser. Yoni é usada metaforicamente. Manas é mente. Kara é ação. Yoniso-manasikara indica o estabelecimento da mente.

Sobre o autor: Christopher Titmuss, escritor e monge budista na Tailândia e Índia, ensina Meditação do Despertar e do Discernimento no mundo todo. Vive em Totnes, Devon, Inglaterra. Ele é o fundador e diretor do Dharma Facilitators Programme [Programa de Facilitadores do Dharma] e do programa Living Dharma [Dharma Vivo], um programa de aconselhamento online para praticantes do Dharma. Ele organiza retiros, participa de peregrinações (yatras) e conduz assembléias sobre o Dharma. Christopher tem ensinado em retiros anuais em Bodh Gaya, Índia, desde 1975, e conduz uma reunião anual sobre o Dharma em Sarnath desde 1999. Um instrutor do Dharma graduado no Ocidente, é autor de vários livros, como Light on Enlightenment [Luz na Iluminação], An Awakened Life [Uma Vida Desperta] e Transforming Our Terror [Transformando Nosso Terror]. Um batalhador pela paz e outras questões globais, Christopher é um membro do conselho consultivo internacional da Buddhist Peace Fellowship [Comunidade Budista da Paz]. Poeta e escritor, é co-fundador da Gaia House [Casa Gaia], um centro internacional de retiro em Devon, Inglaterra.